Setenta e dois anos após Declaração Universal dos Direitos Humanos, questões fundamentais são negligenciadas e confundidas com “direitos dos bandidos”

JÚLIA RODRIGUES E CAROL GUERRA

 

Um ano após a Proclamação da República, o escritor Aluísio de Azevedo lançou O cortiço, romance que denunciava condições insalubres de habitação e vida de brasileiros pobres em 1890. Um ano após a 2ª Guerra Mundial, em 1946, Josué de Castro lançava A geografia da fome, uma investigação sobre a insegurança alimentar que atingia os negligenciados de um país subdesenvolvido. As duas obras, escritas antes mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pela ONU em 1948, mostram chagas que ainda atormentam o Brasil de 2020, assolado pela pandemia e pela crise econômica. Questões como moradia digna, saúde, educação e alimentação nada não têm a ver com “direitos dos bandidos”, como alguns setores da sociedade apelidaram a promoção dos direitos humanos, cujo dia é celebrado hoje.

Mãe solo de uma menina de 8 anos, Priscila da Silva, 31, é fotógrafa e tem o único vão da casa de tábuas comportando sala, cozinha e quarto na comunidade do Pilar, Bairro do Recife. “É pequeno e ainda temos que dividir com os ratos”, diz. Quando necessita utilizar o banheiro, vai até a casa de sua mãe, que mora bem ao lado.

“Quando a maré enche, a água entra pela casa. Tem que esperar secar para limpar, porque não tem saneamento aqui.  Não gosto da vida que eu dou para a minha filha, mas não é porque eu quero”, constata.

Morador do Pilar há quatro anos, Isaias dos Santos, flanelinha, gostaria de ter água encanada. “A gente acorda de manhã e vê as crianças correndo nessa água suja, arriscadas a pegarem um germe”, lamentou o morador, que completa 38 anos de idade hoje. Ele paga aluguel de R$ 150.

Direitos básicos podem ser confundidos com privilégios quando só parte das pessoas têm acesso a eles. O Artigo 5º da Constituição garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Nas periferias, a lei de 32 anos atrás não se aplicou. “Se eu tivesse condições, não estaria num lugar desse. Temos direito a nada aqui”, diz Edson Pereira, 27, que cursou até a 3ª série e está entre os 13,8 milhões de desempregados no país.

O desafio de desmistificar o óbvio junto à sociedade

 

Para combater os preconceitos criados sobre os movimentos sociais, a Frente Popular dos Direitos Humanos utiliza o diálogo como arma. “Tentamos evidenciar a construção da cidade democrática, com a liberdade de expressão, e trazemos essa narrativa nos nossos projetos. A nossa alternativa é possibilitar o diálogo para que possamos acabar com o retrocesso e garantir os nossos direitos”, diz Rafael Pesca, representante da FPDH.

A Frente atua na mobilização e assessoria jurídica popular em conjunto com grupos, comunidades e movimentos sociais. Os interessados podem entrar em contato com o grupo pelas redes sociais. Atuante há 48 anos, o Centro de Cultura Luiz Freire busca a restauração dos valores democráticos através de diretrizes como educação, comunicação e cultura, em projetos comunitários. Durante a pandemia, novos desafios surgiram.

“Continuamos com a nossa atuação a partir de campanhas internacionais e nacionais. Estivemos presentes em comunidades quilombolas de Mirandiba, no Sertão de Pernambuco. Os estudantes não tinham como acompanhar aulas online. Esse era um dos inúmeros direitos que foram restringidos desses alunos. Conseguimos tablets para que pudessem estudar. Trabalhamos com sujeitos diretamente violados e reaquecemos o debate sobre direitos humanos”, explicou o coordenador do CCLF e representante da Rede Mundial de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, Rogério Barata.

* O texto foi publicado originalmente no dia 10/12 na versão impressa do jornal Diário de Pernambuco.