Maria Elizandra Santos, articuladora do Centro de Cultura Luiz Freire

A história da população afrodescendente no Brasil é uma história de luta desde a introdução forçada deste grupo étnico racial no país. Atrelada à luta por liberdade no período escravocrata, bem como à luta por direitos fundamentais em períodos posteriores, o direito à educação escolar sempre esteve nas pautas dos movimentos sociais, especificamente diante do negligenciamento deste direito fundamental aos subalternizados.

Escolas voltadas para a população negra durante o período escravocrata foram importantes para a perpetuação da intelectualidade negra, sendo assim decisiva para os processos de inclusão social do grupo. Assim, ao falarmos do processo histórico da sociedade quanto à ação educativa, entendemos o modelo educacional junto a outros fatores de caráter econômico, político e social que vieram produzindo desigualdades ao longo da história.

Foi a partir da década de 1970 que surgiram os primeiros estudos e pesquisas direcionadas para as relações raciais no espaço escolar, sendo ampliados na década de 1980 com um enfoque no livro didático e no currículo. Porém, foi a partir da década de 1990, com as reivindicações do Movimento Negro em todo o país, que vêm à cena as discussões sobre políticas públicas direcionadas para a diversidade étnico-racial, considerando as vertentes da igualdade e da diversidade que direcionaram as discussões neste período.

Como reflexo destas lutas, foi instituída em 2003 a Lei Nº 10.639 que garante a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica. A partir da lei foi posto um desafio epistemológico, pedagógico e político para os sistemas de ensino e em particular para os/as docentes, o desafio de disseminar para a população, num curto espaço de tempo, uma gama de conhecimentos multidisciplinares sobre o mundo africano. Ao pensarmos sobre a essência da educação hoje, podemos abrir ênfase para bell hooks – escritora, professora e intelectual negra insurgente – que em seu livro “Ensinando a transgredir – A educação como prática da liberdade”, nos fala sobre como repensar as práticas de ensino na era do multiculturalismo e em como lidar com o racismo e sexismo na sala de aula.

Acreditamos que difundir tais conhecimentos exige que o sistema escolar enfrente este desafio em seus aspectos político, epistemológico e pedagógico. O aspecto político está em torno da necessidade que a escola se reconheça racista e admita ser fundamental combater o racismo em sua estrutura curricular, tendo em vista que a mesma tem suas bases apoiadas em um modelo de sociedade democrática racialmente. Esta análise reflete o quadro político nacional no qual a educação está inserida, porém inicialmente de maneira ainda pouco consistente, visto que os investimentos na ampliação de recursos para a educação quilombola esbarra principalmente no “tipo” de educação que vem sendo ofertada.

Outros aspectos que trazemos são de natureza epistemológica em paralelo ao aspecto pedagógico. Existe uma problemática na abordagem histórica do continente, a singularidade do continente africano nos remete a uma compreensão histórica de diversos povos com diferentes modos de organizações socioeconômicas e de expressões tecnológicas. Assim a problemática epistemológica ao aspecto pedagógico deste desafio educacional posto aqui no Brasil pela Lei Nº 10.639/03 é resgatar por meio popular e acadêmico produções para a compreensão da história africana e consequentemente para o ensino da mesma nas escolas.

Neste mês de janeiro a Lei completou 20 anos e ainda assim, é possível vermos em nossas experiências em salas de aulas e em todo o contexto escolar que a historicização afro-brasileira é retratada de maneira superficial e estereotipada. A perspectiva do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, engloba pensar nas práticas curriculares antirracistas, nas relações de poder postas nas práticas e conhecimentos escolares, nas identidades que estão sendo formadas e nos valores que estão sendo produzidos. O principal objetivo é resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, a Lei é importante para combater o racismo e reconhecer a contribuição do povo negro na construção da nossa sociedade.