Para projeto Escolas Seguras e Acolhedoras, situação do ENEM reflete o aprofundamento das desigualdades sociais no Brasil

 

Na última segunda-feira (18), a Defensoria Pública da União (DPU) requereu na Justiça Federal de São Paulo o adiamento do segundo dia de provas presenciais do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A solicitação aconteceu após pressão de organizações e movimentos ligados à área de Educação e está sendo feita pela segunda vez, já que um primeiro requerimento foi protocolado dia 12 de janeiro.

O projeto Escolas Seguras e Acolhedoras avalia como indispensável a suspensão da realização do exame. Para o integrante do grupo gestor do projeto e coordenador do Comitê Pernambuco da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Avanildo Duque, “se já tínhamos  desigualdades que de alguma maneira eram reparadas pelas cotas e programas sociais, com a pandemia essas desigualdades ficaram ainda mais acirradas”.

Ele pontuou que o Governo Federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), se colocou na “contramão” das orientações de distanciamento social em relação à condução da educação como um todo e principalmente no ENEM. “Eu tenho a expectativa que o STF possa entender que essa questão tem que ser tratada de maneira mais republicana e constitucional”, afirma.

No requerimento feito na segunda, a DPU alegou que o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não cumpriu as medidas de segurança que deveriam ser adotadas no contexto da pandemia. Fato que ficou evidente no último domingo (17), primeiro dia das provas presenciais em que muitas pessoas inscritas ficaram de fora do exame por causa de superlotação registrada pela imprensa.

O exame teve a maior abstenção da sua história com 51% dos inscritos e inscritas que não compareceram e estas faltas significaram um desperdício de R$ 332,5 milhões aos cofres públicos da União. Segundo a educadora do Centro de Cultura Luiz Freire, membra do Comitê Pernambuco da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e articuladora do projeto Escola Seguras e Acolhedoras, Liz Ramos, “o que estamos vendo no ENEM é o ponto de chegada da desigualdade”.

Liz lembra que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação vinha se mobilizando junto a outros movimentos da área desde o primeiro semestre de 2020 para que o exame não fosse realizado e levasse em consideração a desigualdade de condições entre estudantes. Articulações com as defensorias públicas de vários estados brasileiros foram feitas neste intuito e não obtiveram êxito.

“Muita gente deixou de estudar porque não tem como acompanhar as aulas e foi sentindo como se fosse perder esse vestibular, muita gente se perguntou  “Para que eu vou fazer ENEM?”. Como você vai avaliar os estudantes quando você sabe que o estudante não tem condições de acessar a atividade remota? As escolas não oferecem essas condições. Vão avaliar o aprendizado de um estudante comparado com outro estudante que teve tudo”, explica Liz.

Compreender os impactos da pandemia e responder a eles da melhor maneira possível é um dos compromissos do projeto Escolas Seguras e Acolhedoras, que tem como foco a convivência de meninas e jovens mulheres com a Covid-19. Avanildo Duque ressalta que as desigualdades estão expressas de maneira diferente na vida das mulheres, der todas as idades

No caso das meninas e jovens há uma questão que impacta bastante. Para elas, ficar em casa significa toda uma responsabilidade com o trabalho doméstico ou atividade profissional para sustentar a família”.

Avanildo analisa que, provavelmente, parte do 51% de abstenção corresponde a meninas e meninos que estão em “uma situação precária em relação ao acesso à internet e percebem que vão enfrentar uma concorrência muito desigual”. Ele recorda que a enquete realizada pelo MEC e pelo Inep no meio do ano passado não teve o resultado levado em conta pelas instituições envolvidas. Pessoas inscritas votaram para que a aplicação impressa do exame acontecesse no mês de maio de 2021 e, mesmo assim, o ENEM ocorreu em janeiro.

Projeto Escolas Seguras e Acolhedoras – Com o objetivo de promover debates e orientar ações acerca da convivência saudável de meninas e jovens mulheres com a Covid-19 no ambiente escolar, o Projeto Escolas Seguras e Acolhedoras foi iniciado no mês de agosto de 2020. É uma iniciativa realizada pelo Comitê Pernambuco da Campanha Nacional pelo Direito à Educação junto com o Centro das Mulheres do Cabo, o Centro Dom Helder Câmara e o Centro Cultural Luiz Freire. O projeto é subsidiado pelo financiamento da Iniciativa Global Covid-19, do Malala Fund e as ações acontecem em seis municípios: Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Igarassu, Mirandiba, Olinda e Recife.

Campanha Nacional pelo Direito à Educação – Surgiu em 1999, impulsionada por um conjunto de organizações da sociedade civil que participaram da Cúpula Mundial de Educação em Dakar (Senegal), no ano 2000. Hoje é considerada a articulação mais ampla e plural no campo da educação no Brasil, constituindo-se como uma rede que articula centenas de grupos e entidades distribuídas por todo o país que acreditam na construção de um país justo, democrático e sustentável por meio da oferta de uma educação pública de qualidade.