Em 1972, mulheres e homens de Olinda e de suas cidades irmãs fincavam, em um casarão de imenso quintal localizado na ladeira da rua Vinte e Sete de Janeiro, a bandeira de um sonho: unir e reunir pela cultura quem desejava lutar pela democracia e reconquistar direitos tomados da população de todo país.
Naquele final de agosto, a Ditadura Civil-Militar tinha ao seu lado a mobilização de um segmento da população que vestia a camisa da Confederação Brasileira de Futebol e ainda celebrava o recém conquistado Tri da Seleção, em 1970. A economia, segundo proclamavam, vivia um milagre de crescimento econômico que honrava o “prá frente, Brasil!”.
Era o momento em que a Ditadura exibia o cadáver de Dom Pedro I por todo o país, acompanhado do desfile de armas. Essa pregação da morte era ritualizada extraoficialmente nas celas das polícias e do Exército e em outros santuários da tortura e do “desaparecimento”. De mortos em “confrontos com terroristas” a suicidados, o Regime condenou muitxs pelo choque e pelo chumbo, nenhum pela Justiça.
Em 29 de agosto de 1972, as pessoas que fundavam o Centro de Cultura Luiz Freire tinham contato com essa realidade que os Militares ocultavam com a censura e a ajuda do monopólio da mídia de massas, cuja expansão financiava. Essas pessoas não pegavam em armas, davam as mãos. Em eventos culturais e artísticos, ouviam-se e se faziam ouvir. Aproveitavam o território libertador e de luta que é a Cultura, reconhecendo-a como a manifestação por excelência dos Direitos Humanos. Salvaram vidas. Perderam vidas.
Nem no maior esforço da alteridade, nós, agora, somos capazes de saber quantas vezes estiveram confusas, com medo ou sem esperança.
Mas sabemos que resistiram.
Para o povo, Ordem era trabalhar sem pensar, comprar cada vez mais caro, manter-se nos grilhões da fome, da miséria, do analfabetismo e do silêncio. Quando a Ditadura não conseguiu mais sustentar suas máscaras para a população – que sofria na pele, na carne e no ventre o resultado do “Milagre” do Progresso –, foram de pequenos territórios de liberdade como esse que brotaram as sementes da Redemocratização.
Para alfabetizar, uniam-se.
Para denunciar a fome, uniam-se.
Para divulgar massacres, uniam-se.
Para exigir eleições diretas, uniam-se.
A repressão nunca perdoava e a Liberdade que conheciam estava em suas ações.
Nós, que fazemos o Centro de Cultura Luiz Freire hoje, temos um compromisso com essa história e a missão com ela assumida. Democracia & Direitos Humanos são mínimos inegociáveis, que as mulheres e homens do nosso e de qualquer povo merecem.
Se – como demonstra a atual conjuntura – a experiência de 30 anos de redemocratização não nos deu uma Democracia consolidada, ao menos nos permitiu transformar a máscara de ferro dos opressores em uma máscara de papel. E é esta máscara que deve cair, pois o povo não merece o preço da farsa.
Os parlamentares que votaram pelo afastamento da presidenta eleita Dilma Roussef não negaram, seus discursos evidenciaram que fizeram um julgamento político.
Não por um crime, mas por uma crise.
Não em nome do bem comum, mas de suas próprias famílias.
Não por dolo, mas pela união em torno de um novo projeto de governo, através do vice-presidente, cujas propostas são opostas às que foram referendadas pela população nas urnas.
Porém, no Estado Democrático de Direito definido em nossa Constituição, o responsável por tal Julgamento Político é o povo. E esse poder foi usurpado pelxs representantes eleitxs que ignoraram os termos da Constituição.
Em menos de uma semana, o ilegítimo “governo” de Michel Temer promoveu o desmonte, não de um governo petista, mas de importantes instituições republicanas. A queda da relativa independência que possuíam as pastas de Direitos Humanos e de controle da administração pública da União, por exemplo, demonstraram a fragilidade do nosso Estado democrático de Direito, ainda em desenvolvimento. Essas políticas de Estado, construídas a partir do processo constituinte, regulamentadas e depois referendadas pelas urnas, foram capturadas e desmanteladas pelo mote de ser “de um Governo”.
Neste momento, o Centro de Cultura Luiz Freire soma-se a outras vozes para ampliar o grito de denuncia da sociedade: não “houve um golpe” e sim que há um golpe parlamentar instalado em nosso pais! O processo golpista que se iniciou pelo afastamento da presidenta agora, rasgando a Constituição e violando a Democracia, avança descaradamente sobre tudo aquilo que a materializa: os direitos sociais e os bens comuns.
Neste momento tão delicado, em que os segmentos golpistas executam planos traçados há anos, devemos continuar a exigir dos poderes Legislativo e Judiciário fidelidade aos princípios constitucionais e a reparação por erros que juramos à História não repetir.
À população, dizemos que este não é apenas o momento de reverter a deposição de um governo legitimamente eleito e criminosamente usurpado: nossa luta deve ir além do restabelecimento democrático, a hora é de exigir que a saída desta crise seja através da consolidação da Democracia no país.
Uma Democracia capaz de concretizar políticas de Estado para garantia e promoção de Direitos.
Uma Democracia cuja representação popular nas esferas do poder seja real e não um simulacro.
Uma Democracia que se oriente pela preservação e acesso universalizado a bens comuns e públicos.
Uma Democracia que não se confunda com a “vontade da maioria”, mas com a participação popular através de uma esfera pública fortalecida, em que todxs estejam capacitadxs, esclarecidxs e tenham a possibilidade de intervir e colaborar no caminho de um presente digno e de verdadeiro Futuro, para todxs.
Para informar, precisamos nos unir.
Para denunciar o ataque a direitos conquistados, precisamos nos unir.
Para a formação das bases populares para a reivindicação e luta por direitos históricos, precisamos nos unir.
Para honrar a vida daquelas e daqueles que lutaram para que pudéssemos estar aqui para lutar agora, precisamos nos unir.
Porque Democracia & Direitos Humanos são inegociáveis.
Centro de Cultura Luiz Freire: Democracia & Direitos Humanos!