Lavar a louça, varrer a casa, estender a roupa são atividades domésticas que nem todo mundo sente prazer em fazer, ainda mais no contexto da pandemia da Covid-19 e do isolamento social, que fez com que as pessoas passassem mais tempo dentro de casa. Ter uma nova companhia tornou-se quase uma necessidade. Foi nessa esteira que ocorreu o boom no consumo de podcasts no Brasil.

Em pesquisa feita pela Globo e pelo Ibope, de setembro de 2020 a fevereiro de 2021, constatou-se que o novo normal era escutar podcasts. 57% das pessoas entrevistadas afirmaram terem aderido ao formato durante o período pandêmico, colocando o país na quinta colocação mundial entre os de maior crescimento de novos ouvintes.

Como um veículo vivo e que se adapta ao contexto e às novidades tecnológicas – foi assim com a chegada da televisão e da internet – o rádio continua bastante ativo, e soube se aproveitar bem do espaço das redes sociais e das plataformas digitais. “Levando em conta que o podcast é o filho do rádio com a internet, a gente pode dizer que o rádio se perpetua a medida em que ele adentra esse universo mais virtual e tão real quanto o universo presencial”, afirma Andrea Trigueiro, professora de Radiojornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

A nova companhia, então, não é tão nova assim, e se apresenta também de outras formas, embora pesquisa realizada pela Deloitte Touche Tohmatsu aponte que, em 2019, o número de pessoas que consomem o rádio para se informar é por volta de 3 bilhões. Em comemoração ao Dia Mundial do Rádio, data celebrada neste domingo (13), para homenagear a rádio das Nações Unidas, criada em 13 de fevereiro de 1946, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em seu site, destacou o veículo como uma “plataforma para o discurso democrático”.

Assim também destaca a professora da Unicap, ao lembrar do caráter participativo do rádio, por ser, entre outras coisas, um espaço possível para que muitas pessoas levantem e ecoem suas vozes, principalmente dentro do campo da comunicação comunitária, que, de acordo com dados da Secretaria de Radiodifusão do Ministério das Comunicações, as rádios comunitárias no país são 4,7 mil.

Segundo Cicilia Peruzzo, apesar das classificações não serem fixas, uma vez que existem várias experiências que fogem de determinados pontos,

“A rádio comunitária que faz jus a este nome é facilmente reconhecida pelo trabalho que desenvolve. Ou seja, transmite uma programação de interesse social vinculada à realidade local, não tem fins lucrativos, contribui para ampliar a cidadania, democratizar a informação, melhorar a educação informal e o nível cultural dos receptores sobre temas diretamente relacionados às suas vidas” (Peruzzo, 2007, p. 69)¹.

E apesar de possíveis diferenças entre elas, a rádio comunitária é, antes de tudo, “aquela que a comunidade reconhece como sendo sua e por isso a protege e dela participa ativamente” (Peruzzo, 2007, p. 70)².

Para Manina Aguiar, Coordenadora do programa Rádio Mulher, do Centro das Mulheres do Cabo, “a rádio comunitária tem como premissa, trazer a comunidade para exercer o seu Direito Humano à Comunicação e amplificar a sua voz para a conquista de seus direitos que estão listados na nossa Constituição”, enfatiza.

A comunicadora acredita que a rádio comunitária abre canais para a reflexão, diálogo e transformação justamente por exercitar a democracia ao bradar para que aqueles que têm seus direitos negados sejam ouvidos e ouvidas. “É uma voz que se ergue para denunciar a opressão de uma elite que se perpetua em espaços de poder, negando a maior parte da população sua dignidade”, completa Manina.

Rádio Mulher (07/02/22) com Manina Aguiar, Teresinha Filha e Andrea Trigueiro.

Apesar dos benefícios das rádios comunitárias na educação e formação cidadã, o cenário que encontramos no Brasil é de ausência de políticas públicas para favorecer o trabalho delas dentro das comunidades (Peruzzo, 2010)³. Como um oásis no meio dos grandes conglomerados de mídia no Brasil, os(as) comunicadores(as) populares que as mantém tentam sobreviver, encarando a falta de recursos e os assédios por parte de líderes religiosos, políticos e outros personagens com interesses econômicos – é fato que nem sempre conseguem lutar contra a máquina de dinheiro e são obrigados a cederem o espaço.

O debate sobre a regulação democrática da mídia (e, agora, inclui-se também as plataformas da internet) segue dentro das organizações sociais que defendem o Direito Humano à Comunicação e veem o perigo da inexistência de leis que dialoguem para preservar o interesse público nos veículos. Apenas isso é capaz de garantir a democratização da informação e a comunicação pública de qualidade, acessível para todas(os), e minar o que encaramos de mais grave na mídia brasileira: a concessão de emissoras de rádio e televisão para parlamentares.

Ainda existe a criminalização das rádios comunitárias não outorgadas e, em paralelo, uma burocratização para a concessão de novas junto à extinção das que já estavam concedidas. No entanto, no começo deste ano, alguns noticiários revelam uma tentativa do Ministério das Comunicações de outorgar 432 rádios comunitárias que parecem ser ligadas a apoiadores do governo Bolsonaro e seus aliados. Uma demonstração mais que evidente do interesse privado ditando as regras das concessões. Segundo o Estadão, entre os representantes formais dessas rádios estão pessoas que são ou foram filiadas a partidos e já concorreram ou se elegeram para cargos de vereador e prefeito por legendas do Centrão, como Republicanos, Progressistas, PSD e PL. Há também dirigentes dessas rádios em siglas menores, entre as quais o PSC, o PROS e o Patriota.

Um movimento para se estar atento(a) e pronto(a) para defender “uma comunicação libertadora, transformadora, que tem o povo como gerador e protagonista” (Kaplún, 1985)4. Bem como para analisar os planos de governo dos futuros candidatos e candidatas nas Eleições Presidenciais de 2022 no que tange a comunicação e a sua regulação.

Em tempo, comunicar e ser comunicado é um direito fundamental para o desenvolvimento humano, não à toa, dentre os DH, está o Direito Humano à Comunicação. “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” (NAÇÕES UNIDAS, 1948). 

REFERÊNCIAS

1 PERUZZO, Cicilia. Rádio Comunitária, Educomunicação e Desenvolvimento Local. In PAIVA, Raquel (org.). O retorno da comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2007.

2 PERUZZO, Cicilia. Rádio Comunitária, Educomunicação e Desenvolvimento Local. In PAIVA, Raquel (org.). O retorno da comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2007.

3 PERUZZO, Cicilia M. K. VOLPATO, Marcelo. Rádio comunitária e liberdade de expressão no Brasil. Chasqui – Revista Latinoamericana de Comunicação, v. 109, p. 39-42, 2010. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=16057454004. Acesso em: 25 abr. 2019.

4 KAPLÚN, Mário. El comunicador popular. Quito: CIESPAL, 1985.

 

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Escrito por Marcelo Dantas¹ e Rebecka Santos².

¹ Estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e estagiário de comunicação do CCLF
²Jornalista e coordenadora do Programa Comunicação e Incidência e Direito à Comunicação do CCLF