Estou entre aquelas pessoas que gostam e participam da política, inclusive, a eleitoral. Procuro não ser fanático, fundamentalista. Contudo, assumo posicionamento entre as distintas opções que se apresentam no primeiro e no segundo turno para os cargos do Poder Executivo (municipal, estadual e federal), bem como para a composição do Poder Legislativo. Às vezes é muito difícil fazer as escolhas, confesso, mas nunca votei em branco e nem anulei meu voto desde 1982, quando ocorreram as eleições de forma direta para governadores e a representação parlamentar (Congresso Nacional e Assembleia Legislativa). É bom lembrar que em 1989 o país voltou a eleger pelo voto os ocupantes da presidência da República, após o fim do regime Civil-Militar (1964-85) e das eleições indiretas, via Congresso Nacional, da chapa Tancredo Neves/José Sarney. Há um reconhecimento de que estamos no maior período de eleições diretas consecutivas no país.

A partir do processo da redemocratização temos a obrigação de escolher, a cada 02 anos, quem chefiará a Prefeitura e a composição da Câmara Municipal, alternando-se eleições municipais com a estadual e a federal. Em 2020, será a oportunidade de eleger prefeitos, prefeitas e a representação dos partidos políticos para o poder legislativo local. E daqui a 02 anos, vamos repetir o mesmo processo de 2018, votando para governos estaduais e federal e parlamento (assembleias legislativas e Congresso Nacional).

Escuto, leio e converso sobre se devemos continuar mantendo a separação entre as eleições municipais e as de âmbito estadual e federal. Existem argumentos que apontam que se houver unificação dos processos, as eleições para prefeituras e câmaras de vereadores serão colocadas em último plano, sendo prejudicadas pelas escolhas estadual e federal. Defendem que é preciso valorizar, reconhecer e afirmar que “moramos” no município. Outra linha de raciocínio é de que existem temas municipais e outros dos âmbitos estaduais e nacionais. São argumentos que não podem ser desprezados. Contudo, arrisco a pensar diferente.

Frente ao sucintamente apresentado buscarei problematizar com os que defendem a separação do processo eleitoral municipal do estadual e federal, sem a pretensão de esgotar a complexidade do tema. O propósito é tão somente alimentar debates que contribuam para irmos em frente no processo, que é permanente, para o aperfeiçoamento da democracia e a luta pela efetivação de direitos fundamentais das pessoas.

Em primeiro lugar, entendo que não é suficiente afirmar e restringir que moramos no município, como se fosse uma ilha isolada do Estado e do País, com as conexões planetárias. As consequências da Covid–19, por exemplo, indicam que não estamos limitados ao local e nem ao nacional. Recentemente, tivemos uma ampla mobilização, sem fronteiras, para que o Fundeb, com CAQ (Custo Aluno Qualidade) fosse aprovado no Congresso Nacional. Houve êxito na aprovação e agora o Governo Federal quer usar parte dos recursos desse fundo para financiar um programa social que tem a finalidade de substituir o Bolsa Família. Então, aqui temos um argumento que não separa os âmbitos municipal nem do estadual e mesmo ainda do federal.

O direito à segurança é parte dos direitos e deveres individuais e coletivos, previsto no Art. 5º da CF/1988. É um direito que, inclusive, faz parte das propostas de candidaturas a prefeituras, recebendo distintas denominações, entre as quais, segurança urbana e combate às diversas manifestações de violências e violações de direitos. A CF define que a Segurança Pública é dever do Estado e a responsabilidade é de todos, prevendo, inclusive, que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”, conforme Art.114/§ 8º. Registro que sou contra armar a guarda municipal como defendem algumas candidaturas a prefeitura da Cidade do Recife.

O direito à saúde da população brasileira, independente do município de moradia de cada pessoa, é “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CF, 1988, Art. 196). Portanto, a política econômica, geralmente determinada por ações dos governos federal e estaduais, impactam diretamente – e muitas vezes negativamente – nas políticas sociais: saúde, educação, assistência social, lazer, cultura, esporte, dentre outras.

A maioria dos municípios brasileiros, sobretudo os de pequeno porte, não são indutores, protagonistas de ações do desenvolvimento econômico. Essas ações estão fortemente vinculadas a capacidade dos governos federal e estaduais. A rigor, os municípios que também são indutores do desenvolvimento econômico são as capitais, alguns municípios situados nas regiões metropolitanas e aqueles de grande e médio porte do interior.

A defesa, a promoção e a proteção para a garantia da democracia e de todos os direitos fundamentais não deve se restringir a nenhum âmbito da República Federativa do Brasil, uma vez que estão, estreitamente, relacionados à corresponsabilidade dos Poderes Executivo e Legislativo (Federal, Estadual e Municipal)[2], inclusive no tocante à destinação dos orçamentos públicos.

Aqui, importa situar que ocorre uma separação do período do Plano Plurianual (PPA) do governo municipal com o dos governos estaduais e o federal. Só para situar rapidamente, o PPA, um dos principais instrumentos de planejamento da administração pública, é elaborado e aprovado no primeiro ano da gestão e tem validade para os 04 anos subsequentes. Portanto, os atuais governos estaduais e o federal estão no segundo ano dos respectivos mandatos e no primeiro ano do PPA e as prefeituras no terceiro ano do PPA local, que será encerrado no próximo ano, quando as gestões municipais serão iniciadas. Se as eleições fossem no mesmo ano haveria simetria entre o PPA municipal com o demais na esfera estadual e federal.

Um último aspecto para iluminar os debates guarda relação com as distintas coligações pactuadas para as atuais disputas municipais, que em determinada cidade juntam partidos que no município vizinho são completamente diferentes. Como seriam as coligações se houvesse a coincidência no processo eleitoral nos 03 âmbitos da federação? Sem resposta. Simplesmente, não sabemos. Mas, será que não haveria maior possibilidade de composição com maior homogeneidade? Que as problematizações possam buscar melhores argumentos pela manutenção do atual modelo ou caminhar para unificação das disputas eleitorais (municipal, estadual e federal), observando que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”(CF/1988, Art. 1º).

[2] E do Poder Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública, no âmbito de suas competências.

*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. jfnando.silva@gmail.com

Fonte: blog Falou e Disse