CIDADE DO SERTÃO DE PERNAMBUCO APROVA NA CÂMARA DOS VEREADORES DIRETRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS DA EDUCAÇÃO QUILOMBOLA. E O QUE VOCÊ TEM A VER COM ISSO?

 

Você sabia que a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação instituiu Resolução para garantia de acesso à educação contextualizada nas comunidades remanescentes de quilombos? Você sabia que mesmo diante da Resolução nº 08/2012, aprovada pelo Conselho, municípios brasileiros não estão garantindo a implementação das Diretrizes Curriculares Municipais da Educação Quilombola?

 

Em Mirandiba, não! Comunidades quilombolas se reuniram em Comissão Municipal para pressionar a aprovação das Diretrizes na Câmara e ultrapassam a primeira barreira educacional, ao passo que constroem uma ponte. Uma ponte em negrito. É essa a ideia passada por Rogério Barata, coordenador do projeto “Educação Escolar de meninas Quilombolas de Mirandiba”, produzido pelo Centro de Cultura Luiz freire e financiado pelo Fundo Malala.

 

Rogério foi coautor do texto base entregue na câmara dos vereadores do município, as protagonistas da ação foram Aline Maria quilombola da Comunidade Pedra do Amolar, Assistente Social e Educadora; Ângela Santos quilombola da Comunidade Pau de Leite, atua na Comissão Municipal de Quilombo e é vice-secretária da Associação; Tereza Cristina da Costa presidente da Associação quilombola do Jardim, liderança da comunidade e Coordenadora de Apoio Pedagógico na Secretaria de Educação de Mirandiba; e Mazer Souza professora quilombola do ensino fundamental, pós graduanda em Neuropsicologia, membra da Federação das Comunidades quilombolas e Povos Tradicionais de Pernambuco, membra da ASCQUIMI- Articulação das Comunidades Quilombolas de Mirandiba e Ativista do movimento de mulheres e quilombolas.

 

Pois bem, a cerca de 500 km da capital pernambucana está Mirandiba, uma cidade com pouco mais de 20 mil habitantes situada no Sertão do Pajeú, fica entre Serra Talhada e Salgueiro. Mirandiba é um dos 196 territórios quilombolas contabilizando em média 4% das 500 comunidades existentes no Estado.

 

Miracity, como é carinhosamente conhecida, é composta por 80% de afrodescendentes e de acordo com documento da Fundação Cultural Palmares, tem em sua formação 14 quilombos. Porém, segundo Ângela Santos, vice-secretária da Comissão Municipal de Quilombo, Mirandiba apresenta extra oficialmente, mais de 20 comunidades quilombolas.

Aliás, esta cidade juntamente com Itaíba-PE, são as únicas no Brasil que têm uma Comissão Municipal de Quilombo, apesar do engajamento político, Mirandiba, como em todo território brasileiro, tem uma elite que embora esteja em menor número, é detentora da máquina governamental que rege o município. Herança da velha política coronelista.

 

Contudo, quilombolas mirandibenses, através da pressão exercida conseguiram aprovar na Câmara dos Vereadores do município as Diretrizes Curriculares Municipais da Educação Quilombola. Mas e aí, o que você tem a ver com isso?

 

Sabemos que o acesso à educação é um direito de todos, garantido no Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sabemos também que para que a história e cultura dos povos afrodescendentes e indígenas fosse parte obrigatória do currículo escolar foram criadas as Leis 10.639/03 e 11.645/08 que substitui a primeira. Então, por que criar uma Lei de Diretrizes específica para Educação Quilombola?

 

Se você é professor (a), pedagogo (a), educador (a), vai reparar que as perguntas acima não são retóricas. O que nós temos a ver com a criação de mecanismos que garantam a disseminação da história, memória e contextualização no ensino de um povo? Por que isso é importante?

 

Sigo crendo que sem esses mecanismos já teríamos sido extintos, ou peças “exóticas” de um museu bizarro chamado Brasil. As Diretrizes da Educação Quilombola aprovada em Mirandiba é um marco da primeira etapa da ponte que está sendo construída entre centro urbano mirandibense e a zona rural. Pode ser que os vereadores do município se quer tenham ciência da magnitude do que aprovaram, e sabem por que? Porque talvez não tenham lido as diretrizes com afinco.

 

Cremos nisso. Há uma diferença muito grande entre estar no poder e entender o contexto do palanque. A máquina pública de Mirandiba passa de “pai para filho” há mais de um século, e as comunidades quilombolas ficam em sua maioria nas zonas rurais. Até meados de 1980 negros e não negros não frequentavam os mesmos ambientes, e agora, este avanço!

 

Foi surpresa, mas, teve muita luta! Ângela conta que ao fazer um levantamento dos problemas existentes que dificulta o ingresso dos quilombolas à educação, se deparou com uma realidade vivida desde a fundação da cidade, ela nos contou que a “falta de condução escolar, falta de vias de acesso, falta de merenda”, eram apenas a ponta do iceberg. Além dessas dificuldades as comunidades quilombolas sofrem com a falta de água, de saneamento e de formação contextualizada para os professores e professoras do município.

Aline compreende que com a implementação das Diretrizes tudo pode mudar, a começar pelo fato de que os professores que lecionarem nos territórios aquilombados devem se autodeclarar como remanescente de quilombo, o que representa uma abertura significativa de vagas para professores quilombolas. Além de que os educandos terão um diálogo mais fluido ao se sentirem representados por aquele educador.

 

Mazer é uma ativista do Movimento de Mulheres e Quilombolas, para ela, essa conquista representa a força da articulação do povo negro de Mirandiba, mas não acaba por aí. Juntas, essas mulheres pretendem juntamente com o Centro de Cultura Luiz Freire articular um seminário de integração entre comunidades quilombolas e a prefeitura da cidade, para formular um plano de ação que defina metas de implementação do que rege o documento, garantindo de fato a execução das Diretrizes em sua integralidade.

 

E o que você tem a ver com isso? Ajude-nos a descobrir, pois, não basta não ser racista, seja antirracista.

 

Fonte: Vozerer

 

Foto: Comunicação CCLF