Posicionamento do CCLF sobre a, assim denominada, Conferência da Juventude do Recife

O Centro de Cultura Luiz Freire vem manifestar o caráter crítico e de protesto da sua participação no evento convocado pela Secretaria de Juventude e Qualificação Profissional do Recife por completa discordância com o modo que foi conduzida a sua realização.

O Centro de Cultura Luiz Freire é uma organização de Direitos Humanos, não-governamental, independente e que tem acumulado um valioso histórico de luta por democracia ao longo dos seus 42 anos de existência. Criado em plena Ditadura Militar, apresentou-se como uma entidade dedicada à renovação do circuito artístico-cultural enquanto abrigava em seu interior sujeitos políticos empenhados na luta pela restauração da democracia no país. Com a redemocratização, atuou vividamente na promoção de debates e mobilizações locais para Constituinte.

Desde então, temos como missão contribuir para a radicalização da democracia na sociedade. Uma democracia que vá para além do funcionamento regular das instituições políticas formais, já que consideramos que a efetiva consolidação e universalização dos direitos humanos, políticos, econômicos, sociais e culturais só é possível sob os auspícios da participação coletiva e ativa dos diversos sujeitos sociais existentes.

É por querer honrar nossa história e cumprir nossa missão que não nos comprometeremos a legitimar este evento que está sendo denominado como Conferência Municipal da Juventude. Temos, sim, um compromisso com a luta pela ampliação das instâncias de discussão, co-gestão e avaliação de políticas públicas que agreguem o Estado e a Sociedade Civil. Porém, é de nosso entendimento que isso deva ser feito de forma real, sólida e não meramente cosmética.

Não podemos entender que seja com seriedade que a Prefeitura do Recife venha consultar a sociedade sobre seus anseios em relação às políticas para a juventude, em tão diversas áreas como as apresentadas na carta convite que recebemos, quando sequer existe um Conselho Municipal da Juventude empossado. De acordo com o inciso V, do artigo 3º, da Lei Municipal nº 17.561 de 2009, que cria o Conselho Municipal de Políticas Públicas de Juventude do Recife (CMPPJ), é a ele que compete organizar e realizar a cada dois anos a Conferência Municipal da Juventude do Recife em parceria com a Secretaria Municipal de Juventude. Não tendo o presente evento sido convocado pelo Conselho, nem mesmo a lei permitiria, em tese, que fosse reconhecido como a sendo a tal Conferência.

Mas o principal fator de questionarmos a seriedade da Prefeitura com este evento está no fato de que em março deste ano houve eleição dos 17 representantes da sociedade civil para compor o CMPPJ. A Prefeitura pode até tentar justificar que fez, em setembro, duas convocatórias dos conselheiros e das conselheiras eleitxs em meio à infinidade de publicações do seu Diário Oficial. Mas ainda não se explica, diante dos milhões que gasta anualmente com anúncios publicitários nos jornais impressos locais, como poderia se conformar em tomar uma atitude tão grave contra uma instância representativa da sociedade sem ter se prestado, no mínimo, a utilizar do erário para uma divulgação mais ampla de algo que julgava tão importante assim. Como podemos nos convencer da seriedade no tratamento desta Prefeitura com o que imagina que serão as contribuição da sociedade nesta dita conferência se foi esse o tratamento dado ao Conselho Setorial, o qual, diga-se de passagem, tem como função acompanhar a execução do Plano Municipal que supostamente seria elaborado a partir do evento?

Além do mais, a participação social que o Centro de Cultura Luiz Freire anseia para uma sociedade de democracia consolidada deve ter qualidade e dar amplas condições de participação ao máximo de pessoas que se interessam pelas discussões propostas e estão dispostas a dar a sua contribuição. A base de uma conferência é, afinal, a participação qualificada. Com um intervalo de apenas oito dias entre a ínfima divulgação deste evento e sua realização, devemos acreditar que a Prefeitura espera que a sociedade tenha se preparado o suficiente para chegar a esta dita conferência? Será que a Administração Municipal crê que somente com cartas endereçadas a algumas entidades, uma publicação no Diário Oficial e em seu site e a convocação do evento em plenas férias escolares tenha feito o máximo possível para que a representatividade desta dita conferência honre toda a juventude da cidade do Recife?

Vale lembrar que, recentemente, a mesma Prefeitura foi obrigada pela Justiça a cancelar uma audiência pública que faria a respeito do redesenho do Projeto Novo Recife por não cumprir o intervalo mínimo, estabelecido em lei, entre sua convocação e a realização prevista, o que, no caso, deveria ser de quinze dias. Por que, então, o processo de convocação para esta dita conferência, a qual seria tão importante para as políticas públicas que devem cuidar da geração que herdará esta cidade, pode ser menor que o de uma audiência pública? E quais discussões e participações qualificadas se espera ter em um evento que deveria contemplar os vários temas propostos – Educação; Profissionalização, Trabalho e Renda; Diversidade e Igualdade; Saúde e Enfrentamento às Drogas; Cultura; Comunicação; Desporto e Lazer; e Segurança Urbana e Cidadania – com apenas oito horas de duração e que sequer teve divulgado previamente o seu regulamento?

Diante de todos elementos expostos, nós, do Centro de Cultura Luiz Freire, infelizmente, somos obrigados a duvidar que a Prefeitura do Recife esteja realmente comprometida a promover a participação social com este evento, o qual nos recusamos a reconhecer como a Conferência Municipal da Juventude. Se é da vontade da Prefeitura realizar uma conferência, recomendamos que emposse os e as representantes eleitos e eleitas para o Conselho Municipal, conceda à sua preparação o cuidado e as discussões que ela exige e o faça da forma mais transparente possível para o resto da sociedade. Pois, somente assim, poderá conquistar a legitimidade necessária para que possa afirmar, posteriormente, que suas políticas públicas para a juventude tiveram uma construção democrática e amparada pela participação social sem que isso se configure num discurso desvirtuado, vazio e falacioso.

Compareceremos ao aevento para exigir dos gestores públicos o que é correto. Reconhecer falhas é o primeiro passo na demonstração da vontade de corrigir erros, próprios e de outros, e de fazer o melhor que pode ser feito. Nossa juventude merece o melhor. E, por acreditar que este evento não está propenso a lhe conceder o mínimo que poderia, não iremos legitimá-lo com a nossa participação.