Por Cida Fernandez[1]

No Brasil, data do século XIX o surgimento de iniciativas da sociedade civil para suprir a demanda pelo acesso à educação e à formação leitora. Os trabalhadores imigrantes que chegavam ao país, sentiam na pele a importância da educação e do acesso à leitura para romper com o círculo de pobreza que permeava as suas existências. Associações culturais e filantrópicas foram criadas, especialmente pelos imigrantes portugueses, que detinham mais posses “preocupados em dar assistência aos seus conterrâneos mais necessitados, a exemplo do Real Gabinete Português de Leitura, do Retiro Literário Português, e do Liceu Literário Português” (FERNANDEZ, 2015) [2].  Essas iniciativas tinham também objetivo de fortalecer a influência cultural portuguesa no Brasil, assim a biblioteca do Gabinete passa a funcionar como um núcleo de ações culturais e educativas.

Compreendendo e, em defesa, do direito à leitura como um direito humano e a literatura uma condição para a formação de sujeitos leitores, consequentemente cidadãs e cidadãos críticos, donos do seu destino. A luta do Centro de Cultural Luiz Freire e de inúmeras outras organizações e militantes políticos têm sido pela construção e efetivação de políticas públicas de Estado. Políticas, estas, que precisam garantir a leitura como parte dos direitos humanos a todas as pessoas, independente da origem, credo, raça/ etnia, sexo ou orientação sexual, idade, religião, condição física, mental, motora ou emocional, o direito de acesso, do usufruto aos meios de produção, e circulação de obras literárias

Nesse percurso, em 2003, a partir da influência das mobilizações políticas e sociais dos setores da educação e da cultura – foi sancionada a Lei Federal 10.753/2003, conhecida como Lei do Livro, que instituiu a Política Nacional do Livro. Essa, entre outros, tem o objetivo de garantir o pleno exercício do direito de acesso à produção, circulação e uso dos livros, com garantia de acessibilidade e formação leitora.

O ano de 2005, definido como o ano VivaLeitura, comemorado em mais de duas dezenas de países pelo mundo, incluindo o Brasil, deu a largada para que movimentos e pessoas envolvidas com a causa, engrossassem o caldo pela defesa da política de Estado, sem ficar atrelada a governantes de plantão.

Em 2006, na efervescência desse grande movimento nacional, a partir de uma portaria interministerial entre as pastas da Educação e Cultura, aprova-se o Plano Nacional do Livro e da Leitura. Foram centenas de reuniões com a participação de milhares de pessoas e instituições, que lutavam e lutam para garantir o direito à participação nessa construção.

O Centro de Cultura Luiz Freire participou de todo esse processo. Do Nacional, ao Estadual e local. Em Pernambuco, em 2006, contribuiu para a fundação do Fórum PE em Defesa das Bibliotecas, Livro, Leitura e Literatura, que garantiu a aprovação das leis do livro de Olinda (2010), Recife (2009) e Caruaru (2010).

A Lei do Livro, bem como o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) foram avanços importantes para a garantia do direito, sem dúvida. Contudo, a política de leitura carecia ainda de uma definição legal mais apropriada para às necessidades da sociedade. Assim, fruto de intensa mobilização houve a sanção da Lei Federal 13.696/2018, que instituiu a Política Nacional de Leitura e Escrita. Muito embora toda sua gestação tenha se dado já a partir do ano de 2006, seu fechamento e proposição pela Senadora Fátima Bezerra, foi apresentada ao Conselho Setorial do Livro, Leitura e Literatura (CSLLLL) do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), apenas na ante-sala do golpe de 2015.

Em Pernambuco o Conselho Setorial de Política Cultural, aprovou a minuta do Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (PELLLB0, que foi elaborado com intensa participação social a partir da composição de um Grupo Executivo de Trabalho eleito para a sistematização do documento. Essa minuta seguirá para a Assembleia Legislativa de Pernambuco, com previsão de entrada na agenda ainda em 2019. O Centro Luiz Freire juntamente com o Fórum PE em Defesa das Bibliotecas, Livro, Leitura e Literatura e seus parceiros, seguirá no acompanhamento e na pressão, para que não só seja aprovado, mas para que haja destinação orçamentária, para a efetivação do direito.

Em 2019, o quadro político nacional é perverso, agravado ainda, com a extinção do Ministério da Cultura, a redução e mediocrização do papel do Ministério da Educação; a inversão dos objetivos e princípios dos direitos humanos a partir das ações do novo Ministério da Cidadania.  Por isso mesmo, precisamos mais do que nunca defender o direito à leitura como uma luta pelos direitos humanos, tal como afirma o grande mestre Antonio Cândido (1977, p. 191):

[…] a luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.

Vamos à luta!

[1]Cida Fernandez é Bel. em Biblioteconomia pela UFPE, Responsável pelo Programa Direto à Leitura do Centro de Cultura Luiz Freire-CCLF

[2]  FERNANDEZ, M.A.A; MACHADO, E. C. . Projeto ‘Mais Bibliotecas Públicas’: uma estratégia de mobilização local. RBBD. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação (Online), 2015.