Fernando Silva¹

I – Iniciando a conversa: confesso que não tenho posicionamento conclusivo sobre o processo de escolha para a composição dos Conselhos Tutelares (CT´s). Contudo, compreendo que o momento é de fazer balanços. São quase três (03) décadas de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. É também para indicar pontos para atuar em perspectiva, afinal, daqui a quatro anos (04) deveremos ter novo processo unificado de escolha.

A melhor maneira que encontrei foi fazer perguntas, comentários e breve considerações para construir um posicionamento, inicialmente, de coletivos, entre os quais, sugiro:

 Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político Brasileiro;

 Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros/as e Ex-Conselheiros/as;

 Sistema de Justiça (Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional da Defensoria Pública);

 Escolas de Formação de Conselheiros/as de Direitos e Tutelares;

 Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente;

 Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum Nacional – DCA);

 E os conselhos nacional, estaduais, Distrito Federal e municipais dos Direitos da Criança e do Adolescentes (Conanda).

O passo seguinte é saber quais os melhores caminhos devemos adotar. Uma lei federal para regular e organizar o processo de escolha? Ou temos outras possibilidades? Quais?

Quem deve coordenar e “juntar” as construções/contribuições dos coletivos específicos? O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), sozinho ou com outros coletivos? Quais? Entendo que a coordenação seja do Conanda, conforme suas atribuições previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, na atual conjuntura e a situação jurídica e institucional do colegiado, é difícil apostar que tenha condições de fazer uma condução assertiva dessa amplitude. O que fazer, como fazer e quem coordena/lidera o processo?

Compreendo que o apoio técnico do Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) não pode ser descartado.

II – Apresentando e comentando questões: entendo, inicialmente, que a unificação do dia da escolha é positiva por possibilitar um olhar abrangente, nacional e uma maior visibilidade dos CT´s enquanto órgãos de defesa e promoção dos direitos para 57,6 milhões de crianças e adolescentes (Estimativa do IBGE, 2016). Mas, será que nos preparamos, nos organizamos –enquanto movimento pelos direitos de crianças e adolescentes – para uma disputa com forte presença partidária, religiosa e de outras forças não democráticas que desprezam a cultura de paz? Qual a força atual do movimento pelos direitos das infâncias e adolescências?

Será que houve acerto em colocar, no Estatuto da Criança e do Adolescente, a responsabilidade² pela coordenação do processo de escolha dos Conselheiros Tutelares nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente? Muitos conselhos municipais são órgãos enfraquecidos e só funcionam quanto da realização de conferências e/ou do processo de escolha para composição dos CT´s. Outros, não têm conhecimento e força institucional para assumir as responsabilidades semelhantes às eleições políticas e cada vez mais acirradas. A maioria das prefeituras também não contribuem de forma efetiva com a realização dos processos de escolha. Em muitas cidades houve cancelamento total do previsto para o dia 06 de outubro de 2019, nas mais diferentes regiões do país, incluindo capitais importantes, a exemplo de Curitiba – Paraná.

Não participei da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas acompanho e participo, desde 1995³ , do movimento pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. Será muito importante saber de quem participou da elaboração do referido Estatuto, quais eram as proposições em jogo à época e como avaliam a caminhada desde 1990.

A participação (ou apropriação?) dos partidos políticos (de qualquer campo ideológico) e das igrejas (de qualquer perspectiva religiosa) deve ser compreendido como positiva ou um desserviço à composição e atuação dos CT´s? A rigor, a participação não é uma novidade, já ocorreu em processos de escolha anteriores. O que houve, agora em 2019, foi o aumento da escala da participação partidária.

E mais, no processo unificado de 2019, a disputa também teve a marca da polarização das eleições presidências de 2018. Quem vai ganhar com a polarização ideológica e partidária? Tenho receio de que a efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes é que sairá prejudicada.

Como fazer com que a participação das igrejas católicas ou evangélicas não torne os CT´s em espaços influenciados por crenças religiosas ao invés de órgãos, exclusivamente, destinados à
defesa e promoção de direitos?

É fundamental ter presente que circulam informações sobre a presença/apoio de milicianos (crime organizado) no processo. Então, como enfrentar as forças, definitivamente, antidemocráticas e refratárias aos direitos humanos e à cultura de paz no processo de escolha dos CT´s?

Associado às perguntas apresentadas, é necessário ter presente que a participação não tem acontecido somente no processo de escolha. Também ocorre no funcionamento dos CT´s, com implicações/repercussões na aplicação das atribuições de conselheiros e conselheiras tutelares.

Não é crível aceitar que a atuação de um importantíssimo órgão de defesa de direitos de meninos e meninas seja, contaminado, por viés ideológico partidário, religioso ou do crime organizado. Muitas matérias públicas e/ou posicionamentos que circularam, desde o dia 06 de outubro último, estão colocando os resultados como se fossem uma disputa entre a esquerda e a direita. Entre segmentos religiosos, de católicos e evangélicos.

III – E agora, o que fazer? compreendo que o melhor caminho não é ter preconceito religioso e/ou partidário, mas ter presente a perspectiva de que a defesa e promoção dos direitos de crianças e adolescentes é parte de um projeto político, ético e humanitário. Devemos sempre caminhar na direção da Proteção Integral de todos os direitos humanos de meninos e meninas, e suas famílias, sem quaisquer formas de discriminação por gênero, cor/raça/etnia, orientação sexual, por deficiência e pelo local de moradia e/ou nascimento.

Aliás, os direitos positivados não devem ser parte de negociação para qualquer possibilidade de sua redução/exclusão no campo jurídico. O movimento é combinar a mobilização e a luta por sua manutenção formal e para que seja efetivado na indivisibilidade, universalidade e interdependência de todos os direitos humanos.

Entendo que as respostas necessitam de construções coletivas. Irei continuar lendo, pesquisando e pensando para avançar na colaboração. Estou à disposição.

 

¹ Integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) e Professor da Escola de Conselhos da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

² Art. 139. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991)

³ Inclusive na condição de conselheiro do Conanda (1999 – 2006), sendo Presidente (2005 e 2006) e Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Pernambuco (CEDCA/PE, 2012).