Da casa à creche, passando pelas ruas, indo até os parques, praças, todos os lugares da cidade devem ser pensados sob a perspectiva dos primeiros anos de vida. Entretanto, no Brasil o paradigma do espaço urbano é outro. Ruas sem calçamento, esgoto à céu aberto, pouca mobilidade, ausências de creches, praças e parques – e quando se tem, estão sem manutenção – são alguns dos cenários encontrados de forma recorrente em bairros populares. Vivenciar a primeira infância, as idades de zero a seis anos, na perspectiva de sujeitos de direitos, ocupantes dos centros urbanos, esse é o ponto de partida para o projeto Ciranda: Cidade para a Primeira Infância, que reúne um conjunto de atividades realizadas por uma rede de instituições da sociedade civil, junto a quatro comunidades da Região Metropolitana do Recife: Peixinhos, Arruda, Ibura e Rosa Selvagem.

O projeto realiza, desde março deste ano, oficinas de comunicação comunitária, chamadas de Rodas de Criação e ministradas pelo Centro de Cultura Luiz Freire, com crianças, adolescentes e jovens dos territórios, com a finalidade de construir a campanha Cidade para as Crianças, nossas ruas e o mundo.

Para a realização dos materiais gráficos para as redes sociais e dos spots da campanha, as duas últimas Rodas de Criação tiveram como tema Canva e Rádio e contaram com a equipe da Dialógica Comunicação Estratégica e a turma do terceiro período de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), com a orientação da professora Andrea Trigueiro, como parceiros convidados.

No Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças (GCASC), na comunidade de Peixinhos, ocorreu a primeira oficina prática de Canva, no dia 4 de abril. Ministrada pelo professor Jéfte Amorim, a atividade teve por objetivo apropriar as crianças e jovens da ferramenta online de criação de conteúdo digital gráfico para as redes sociais. Foram produzidos banners de acordo com as temáticas voltadas para a primeira infância. Para Jéfte Amorim, interagir, perceber a criatividade e o desenvolvimento com a atividade dos jovens foram pontos que chamaram sua atenção. “Esse momento de troca possibilita entender o mundo de novas formas. A importância humana do projeto, auxiliando os jovens a se perceberem, faz com que elas e eles se empoderem.”

Segundo a jovem Melissa Santos, da comunidade de Peixinhos, a oficina foi bastante produtiva, pois mudou sua concepção sobre as tecnologias disponíveis na internet. “Não tinha conhecimento do programa (Canva) e sempre fui meio enrolada para mexer no computador, mas a oficina me ajudou muito e o que eu achava ser um bicho de sete cabeças, na verdade foi até simples e rápido.”

Já na última terça-feira (24), houve a oficina de rádio com a professora Andréa Trigueiro, na qual os participantes produziram spots educativos com os temas da campanha. Para Andréa, foi uma experiência enriquecedora. “Existe uma juventude consciente, comprometida e interessada em transformar sua própria realidade. Empenhada em viver sua identidade cultural e a falar das coisas que vivenciam. É bom ver  o mundo comunitário pulsando e fazendo intervenções.”

Juntamente à Andréa e Jéfte, estudantes  de Jornalismo da Unicap, também se voluntariaram para a troca de conhecimentos com os jovens. A estudante Alice Albuquerque, do 3° período, afirmou que a experiência foi importante para observar os desafios ainda existentes nas comunidades da Região Metropolitana do Recife, além de conhecer crianças e jovens tão interessados em obter novos conhecimentos.

Ainda de acordo com Andréa Trigueiro, o descomprometimento das gestões com os pobres, pretos e favelados é o principal fator da injustiça social existente no nosso país. “Se nós não tivermos consciência desse quadro desigual e injusto, replicaremos esse modelo excludente e que subtrai dos grupo mais atingidos. ”

O projeto Ciranda: Cidade para a primeira infância vem sendo realizado desde 2016, em articulação com a Actionaid, Centro de Cultura Luiz Freire, Etapas, Favela News, Mirim Brasil e Shine a Light e tem como financiadores as fundações Bernand Van Leer e OAK. A iniciativa tem como objetivo geral incidir politicamente para um maior investimento nos serviços públicos para a primeira infância. Para isso, há um trabalho no fortalecimento da participação de crianças, mulheres e jovens – especialmente as que têm filhos pequenos – nos processos de concepção e tomada de decisão de planejamento urbano para uma cidade amigável a primeira infância.