O dia 7 de setembro de 2021 foi marcado por manifestações polarizadas por todo o país. De um lado, o grupo que defende o presidente Jair Bolsonaro com unhas e dentes, do outro a população que deseja o impeachment. Anualmente, o Dia da Independência do Brasil é celebrado com desfile cívico-militar por todo território nacional, bem como é realizado, desde 1995, o Grito dos Excluídos pelas organizações populares.
Em virtude do cenário em que o país se encontra desde a ascensão da extrema direita no poder e com o agravamento dos retrocessos com a chegada da pandemia da Covid-19, a data comemorativa mostrou a dualidade que se estabeleceu no Brasil. De forma breve, podemos definir os grupos divididos em: antidemocracia x pró-democracia. Mas o debate em torno dessa polarização é muito mais complexo e ficou ainda mais evidente após a avalanche de reviravoltas que o novo coronavírus trouxe. Hoje, talvez pareça mais coerente dizer que de um lado temos quem está em defesa da vida e do outro quem apoie o poder e dinheiro a todo custo, inclusive em detrimento à vida humana.
Isso porque as quase 600 mil mortes pela Covid-19 no Brasil tem o vírus, Bolsonaro e seu governo como responsáveis, promovendo o genocídio, principalmente das populações marginalizadas, como quem promove uma festa. E não só isso. O representante mais relevante de uma nação trouxe ainda negacionismo, desinformação e ataques para o país. Em paralelo, o campo progressista vem reivindicando comida no prato, vacina no braço, geração de renda e dignidade para todos, todas e todes, uma vez que o Governo Federal atrasou a vacinação, não promoveu uma campanha de massa para conscientizar e informar a população sobre o vírus, nem construiu um plano de combate unificado, muito menos elaborou estratégias para combater a fome e o desemprego. Muito pelo contrário.
Hoje, a realidade é que o Brasil voltou a ter a fome como um problema estrutural, atingiu o maior número de desmatamento nos últimos 10 anos, vem sofrendo uma constante alta nos preços dos alimentos, do gás de cozinha e da gasolina, além de uma crise energética que responsabiliza a população pedindo para que os cidadãos economizem energia em suas residências. Esses são só alguns pontos da infinidade de retrocessos que vemos encarando nos últimos 3 anos. Portanto, apesar de nunca ter sido uma escolha difícil, agora está ainda mais fácil.
Percebe-se que o debate ultrapassa a questão partidária. Os últimos atos convocados tinham como mote o Fora Bolsonaro junto ao pedido de vacina e auxílio para a população em situação de vulnerabilidade social. O movimento tem reunido diversos atores sociais que, independente do partido político, defendem a democracia e desejam um futuro mais esperançoso para o Brasil.
Frente a essas situações, como a mídia pernambucana vem noticiando esses atos? Que não existe imparcialidade no jornalismo, nós já sabemos, mas a sua essência segue uma linha: a da verdade, para contribuir no processo de democratização das sociedades em virtude do seu potencial de torná-la mais livre e igualitária, assim como cita Juliano Domingues da Silva no capítulo “Democracia e Mídia Plural” do livro Sobre a mídia que queremos¹, uma edição do Centro de Cultura Luiz Freire.
Partindo deste princípio básico, foram analisadas as capas dos principais jornais impressos do estado de Pernambuco no dia 7 de setembro e no pós Dia da Independência, no dia 8.
Diario de Pernambuco, Jornal do Commercio e Folha de Pernambuco
Com base na capa do Diario de Pernambuco, do dia 07/09/2021, é possível perceber que o centro das atenções são os atos dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ocupando a manchete “Um país dividido encara dia de atos e incertezas nas ruas”. É colocado que essa mobilização em torno do 7 de setembro pode representar as maiores manifestações em apoio ao presidente, que convive com alto índice de rejeição. A linha fina² traz, também, que no Recife o encontro será na Avenida Boa Viagem. Já as manifestações contrárias estão presentes na capa enquanto chamada, sob o título “Recife terá 27ª edição do Grito dos Excluídos no centro”.
O jornal mais antigo em circulação da América Latina trata os atos antidemocráticos como um movimento que não se sabe no que pode resultar, colocando de maneira tímida, ao final da linha fina, sobre o alerta que países e autoridades pedem para a situação. Vale ressaltar que diferente do que foi colocado, o Supremo Tribunal Federal (STF) não foi tão somente alvo de críticas, mas de campanha para seu fechamento forçado, ou seja, um golpe. A capa do DP, que tem como dono um bolsonarista, usa termos que minimizam a gravidade das ações do presidente e as consequências que podem ser ocasionadas. Mais uma vez, o discurso insinua que existe uma dúvida semelhante àquela que pairou nas eleições entre Haddad e Bolsonaro em 2018.
Já no dia seguinte, a capa destaca as novas ameaças feitas pelo presidente direcionadas aos ministros do STF. Desta vez, o jornal cita o conselho dado pelos aliados de Bolsonaro sobre as declarações golpistas e coloca uma aspas sobre o que foi dito; aliado, também, às fotos do ato pró-democracia na Avenida Conde da Boa Vista e o antidemocrático na Avenida Boa Viagem.
Enquanto isso, a capa da edição do dia 07 de setembro de 2021 do Jornal do Commercio traz como manchete “Um 7 de setembro marcado pela alta tensão”, com destaque na linha fina para os movimentos de quem é favorável ao atual presidente e quem é contrário à condução que vem dando ao Governo Federal. De forma curta, a linha fina ainda aborda os pontos onde ocorrerão os atos no Recife – em Boa Viagem, para os apoiadores; no Derby, para os críticos do presidente. Embora a foto de capa seja de um grupo de pessoas vestidas com as cores da bandeira do Brasil, o contraste provocado pela luz e escuridão gera sensação que corresponde à manchete: uma tensão – que nesse caso em específico foi provocada por esse grupo que invadiu a Esplanada dos Ministérios.
Observando a capa do dia seguinte (08/09/2021), vemos um trabalho em dividir o foco para os dois lados das manifestações do Dia da Independência. A divisão está presente na manchete, “Mais ataques. Mais reações”, e nas imagens, que em conjunto aparentam não só querer dar igual espaço para ambos os lados, mas de retratar um cenário político muito bem definido e separado, algo que fica realçado pelo espaçamento entre os dois registros fotográficos na diagramação da capa. Na linha fina, temos destacado os novos ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) realizados por Bolsonaro nos atos em que esteve presente na data.
A foto ao lado do “Mais ataques” é de Jair Bolsonaro, em São Paulo, cercado de apoiadores que tentam tocá-lo, mas são separados pelos seguranças – aliás, a imagem aparenta ser uma tentativa mal sucedida de recriar a icônica foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abraçado por uma multidão após discurso. Já o “Mais reações” é acompanhado por uma avenida do Recife cheia de pessoas vestidas de vermelho, representando o Grito dos Excluídos.
Quase a totalidade da capa da Folha de Pernambuco no Dia da Independência é ocupada por uma foto desfocada da estátua do STF, com alguns seguranças atrás – nítidos e com proteção no corpo que parecem armaduras e escudos. A legenda explica: “A segurança do Supremo Tribunal Federal, um dos alvos dos bolsonaristas, foi reforçada. Algumas vias de Brasília serão interditadas”. A manchete mostra o real perigo que o país corre com as declarações inconstitucionais do presidente e alerta ao longo da linha fina os motivos pelos quais o mundo está atento ao que acontecerá ao Brasil, cujo presidente protagoniza muito além de um mal estar entre as instituições democráticas do país.
Um dia após os atos contra e a favor ao presidente, a atenção da capa da Folha impressa é voltada para a imagem de manifestantes em favor de Jair Bolsonaro, na praia de Boa Viagem, no Recife, que é acompanhada pela manchete “Manifestações no Brasil e mais ameaças aos Poderes”, cuja linha fina coloca os principais pontos do discurso do presidente, pautado em tom de ameaça à Justiça brasileira; além de inserir o posicionamento do governador de Pernambuco e do prefeito do Recife. Apesar disso, o que mais chama atenção é a imagem com uma quantidade expressiva de pessoas vestidas com a camisa da seleção brasileira de futebol.
Na parte de baixo é possível identificar as seguintes chamadas relacionadas aos atos: “STF prepara resposta ao pronunciamento”, “Discurso com repercussão internacional”, “Recife tem protestos pró e contra”. Fica então configurada na capa uma quase ausência da mobilização popular contrária a esse movimento antidemocrático, representada tão somente pela palavra “contra”, o que não se confirma nas ruas, cheias de gritos, marchas e cantos por saúde, alimentação e renda.
Os jornais parecem reticentes em pôr os pingos no is e falar que a tentativa do presidente Jair Bolsonaro através de suas atitudes e falas é de um golpe. Há uma leviandade ao tratar da questão e pouco foi evidenciado os motivos pelos quais os Gritos dos Excluídos foram às ruas nesta edição. Levando em consideração o caráter de construção da realidade que a mídia carrega e que é “sobretudo, através da mídia – em sua centralidade – que a política é construída simbolicamente e adquire um significado” (MORAES FILHO, 2016, p. 4), as posições nas capas aqui analisadas são vezes equilibradas, vezes tendenciosas, mas nunca com o interesse público em primeiro lugar aparentemente.
As capas de jornais ou revistas cumprem uma função na mídia impressa, elas são estruturadas para chamar a atenção do leitor, conduzi-lo à leitura do conteúdo restante e resumir, de acordo com os critérios de noticiabilidade, o assunto principal daquela data ou do dia anterior. A capa é a porta de entrada e como bem diz aquele ditado “a primeira impressão é a que fica”. Dessa forma, é preciso considerar o cidadão que vai apenas passar na banca de revista e se informar minimamente somente pela capa porque não tem interesse em adquirir o jornal, ou até mesmo os internautas que estão utilizando as redes sociais – já que hoje os jornais tem sua versão digital – e rolam a tela, passando apenas o olho rápido na publicação feita da capa.
Com a ascensão dos discursos antidemocráticos e com tantos posicionamentos divergentes que confunde a população, o papel da imprensa é estar ao lado da democracia e construir um discurso sólido em sua defesa para que, inclusive, esta mesma imprensa seja protegida de possíveis censuras e perseguições por parte dos poderes constituídos do Estado em um cenário antidemocrático, assim como já vimos em outros tempos e vivemos em certo grau hoje.
Consolidar o discurso bolsonarista através de destaques nas notícias, é construir no imaginário social que aqueles posicionamentos podem estar corretos já que existe um foco dos jornais – vide a característica de quarto poder da imprensa. Analisar como vem funcionando o jornalismo e exigir uma redemocratização e regulamentação da mídia é de extrema importância para estabelecermos uma educação midiática. O exercício de realizar uma leitura crítica da mídia, sempre que possível, auxilia no entendimento de como funciona a relação do sistema político com o sistema de mídia, contribuindo para que não sejamos influenciados por uma notícia que é comprada ou que não leva em consideração o nosso interesse público, nem o regime democrático.
¹ DA SILVA, Juliano Domingues, MORAES FILHO, Ivan (Orgs.). Sobre a mídia que queremos: comunicação pública, direitos humanos e democracia. Olinda: Centro de Cultura Luiz Freire, 2016.
² Linha fina: vem logo após a manchete para completá-la e explicá-la, servindo também para introduzir o assunto junto a quem lê.
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Co-escrito por Marcelo Dantas, estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e estagiário de comunicação do CCLF, e por Rebecka Santos, jornalista e coordenadora do Programa Comunicação e Incidência e Direito à Comunicação do CCLF.
Imagens: Diario de Pernambuco, Folha de Pernambuco e Jornal do Commercio