Escrito por Manoel Severino Moraes de Almeida1
As Comissões da Verdade, no mundo, são um mecanismo da justiça de transição para promoverem investigações e relatórios sobre graves violações de direitos humanos praticados por um governo ditatorial. São formadas por peritos e quadros nomeados em processos de escolhas baseados em legislação própria, que indica o número, critérios e prazos de atuação.
A Comissão Nacional da Verdade no Brasil foi criada no âmbito federal pela Lei nº 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, tendo como finalidade dar efetividade ao direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
O direito à memória e à verdade é fundamental para o desenvolvimento da democracia, trata-se de uma conquista internacional pós a segunda guerra mundial através da consolidação de princípios denominados pacto de Nuremberg, pilar do direito internacional dos direitos humanos.
Entre seus objetivos, a Comissão Nacional da Verdade, no art. 3°, VI, possuía a responsabilidade de “recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”.
Em Pernambuco, através da Lei nº 14.688, de 1 de junho de 2012, foi criada a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara. Conforme descrito no seu art. 1°, tem a finalidade de:
“examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas contra qualquer pessoa, no território do Estado de Pernambuco, ou contra pernambucanos ainda que fora do Estado, praticadas por agentes públicos estaduais, durante o período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a consolidação do Estado Democrático de Direito.”
Neste ponto, destacou-se uma das maiores responsabilidades das Comissões da Verdade para a esfera pública democrática: “promover a consolidação do Estado Democrático de Direito”. Para este objetivo, a Comissão Estadual pôde promover audiências, informes, publicações e investigações em fontes primárias e secundárias para construir e revelar os graves acontecimentos ocorridos pós golpe civil-militar, no país, e sua repercussão na esfera estadual.
Hoje, políticas de memória encontram-se em pleno desmonte no âmbito federal e grande parte do processo transicional brasileiro encontra-se ameaçado, principalmente pela resistência em efetivar a responsabilização penal dos agentes da repressão.
A Lei da Anistia foi recepcionada pela Constituição de 1988 e foi objeto de análise de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal através da Arguição Direta de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF 153/DF). Nesta decisão, consolidou-se a ideia da anistia dos atos e não da memória, mas formou-se um entendimento que houve, em 1979, um armistício amplo geral e irrestrito.
Os informes das Comissões da Verdade ampliaram dados e informações históricas sobre o golpe civil-militar, bem como as consequências de seus atos institucionais e dos atos praticados pelos seus agentes da repressão política. Este legado das comissões da verdade está consignado na sentença que condenou o Brasil no caso Vladmir Herzog e vem promovendo uma reviravolta judicial em ações promovidas pelo Ministério Público Federal, que podem fortalecer um debate no espaço público democrático e a consciência para o não retorno.
No dia 4 de novembro de 2021, foi realizada em ato solene à assinatura do Decreto que criou o Grupo de Trabalho para o Memorial da Democracia em Pernambuco, com prazo de 180 dias para a conclusão dos trabalhos. Foram nomeados14 membros no total, cuja origem são ex-integrantes da Comissão da Verdade Dom Helder Câmara, quadros do atual governo do Estado e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
O objetivo da comissão é discutir e definir formas de estruturação do acervo documental produzido pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara – CEMVDHC e da concretização das recomendações constantes do relatório final da referida Comissão.
A iniciativa de criação do Grupo de Trabalho para a construção do Memorial da Democracia pode ser mais uma oportunidade para a consolidação de políticas públicas, e a defesa e preservação da democracia, da cidadania e dos direitos humanos.
1Advogado. Coordenador do Grupo de Trabalho “Memorial da Democracia de Pernambuco”. Titular da Cátedra UNESCO/UNICAP de Direitos Humanos Dom Helder Camara.
Fotos: Cedidas por Manoel Moraes