No mês em que se celebra o Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas (16), data que serve para visibilizar a luta em prol do meio ambiente e de quem vive nele, e denunciar as graves violações cada vez mais constantes, o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) entrevistou Alexandre Pires¹, coordenador geral do Centro Sabiá, sobre a questão climática e ambiental do Brasil, a postura do último e deste novo governo, a situação alimentar da população brasileira e outros temas interseccionais ao assunto.

 

Confira a entrevista completa a seguir:

 

Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF): Estamos no primeiro trimestre de um novo Governo Federal e de um novo projeto para o Brasil. Na gestão de Jair Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente, que teve Ricardo Salles como principal nome, ficou conhecido por casos de corrupção e de conivência com madeireiras, garimpeiros e outras empresas que exploraram a natureza de maneira desenfreada, a ponto do governo ser denunciado na ONU por ameaçar o clima global. O que podemos projetar com a pasta neste novo governo Lula, que passa a se chamar Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima? 

Alexandre Pires (AP): O governo Lula começa com uma importante sinalização à sociedade brasileira e à comunidade internacional, no que se refere à atenção às questões ambientais e climáticas. A designação de Marina Silva para o comando do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, é uma das principais sinalizações pela sensibilidade e compromisso da Ministra Marina Silva com essa agenda tão importante para o Brasil e para o mundo, e que foi negligenciada e até destruída pelos gestores do governo passado. Claro que temos que entender que como um governo de coalizões e composição de forças políticas, haverá contradições na agenda, por isso é muito importante que a sociedade civil que atua na agenda ambiental esteja organizada e mobilizada para cobrar do governo o compromisso com as políticas ambientais e climáticas, de modo a criar condições para que essa agenda seja implementada.

(CCLF): Entre 2016 e 2018, a verba destinada para pesquisas em mudanças climáticas foi de 31,1 milhões de reais, enquanto nos três primeiros anos do governo Bolsonaro a verba foi de 2,1 milhões. Há como mensurar o dano destes ataques à ciência e ao meio ambiente? E como reparar esse cenário? 

(AP): O governo Lula recebe uma herança de Estado devastado pela negligência e improbidade administrativa do governo Bolsonaro. A maioria das políticas sociais, saúde, educação e meio ambiente, entre outras, foram drasticamente afetadas. E estou falando de impactos negativos desde a concepção e mudanças nos instrumentos e regramentos jurídicos, criando as condições para a famosa “passagem da boiada”, aos orçamentos que foram drasticamente afetados. No que toque essa perspectiva, a equipe do governo passado sequer teve competência para executar o orçamento. Então acho que tem uma tarefa importante do governo agora que é mapear a situação de cada área, e isso já começou com o governo de transição, e com isso correr para retomar a implementação das políticas revendo seus instrumentos legais, repactuar com estados e municípios seus papéis, restabelecer parcerias com as instituições cientificas e a sociedade civil como importante aliada dessa agenda ambiental, e recompor o orçamento. Lembrando que muito do que o governo precisa fazer vai depender de um congresso majoritariamente refratário à pauta ambiental.

(CCLF): Você recebeu o convite da ministra Marina Silva para assumir a diretoria de Combate à Desertificação. Como a atuação nestes espaços oficiais colabora para a luta em prol do meio ambiente? E qual a ligação entre a desertificação e as mudanças climáticas? 

(AP): Sim, eu recebi e fiquei muito honrado com o convite, sobretudo pelo sentido que essa agenda do Combate à Desertificação tem para o Semiárido. Então, está embutido nesse convite uma responsabilidade enorme, e a gente só dá responsabilidade a quem confiamos.  Veja, tenho uma trajetória de 20 anos trabalhando no Centro Sabiá e nesse tempo, pelo menos 12 deles são de acompanhamento direto às ações da Articulação no Semiárido (ASA). Esse tempo foi de construir e consolidar referências importantes no enfrentamento aos problemas socioambientais em Pernambuco e no Semiárido, assim como de formulação, monitoramento, negociação e execução de políticas com os governos. Então imagino que, ao assumir essa pasta do Combate à Desertificação, preciso manter a sensibilidade para o que meu olhar e experiência na sociedade civil alimente minhas decisões e encaminhamentos, claro que a partir do papel de gestor público. A desertificação é um fenômeno de degradação dos solos, causado principalmente pela ação humana e tem consequências devastadoras como a redução do regime de chuvas, infertilidade dos solos, na produção de alimentos, na redução da biodiversidade e comprometendo os modos de vida das populações locais. Então, as mudanças climáticas agravam ainda mais esse contexto levando a situações como as migrações climáticas.

(CCLF): A Campanha “Olhe para a fome“, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), revelou que mais de 33 milhões de pessoas no Brasil conviveram com a fome em 2022. A fome e o modo de produção têm relação estreita, principalmente no Brasil, em que o desmatamento, queimadas e uso de agrotóxicos em grande escala são a tônica da indústria agropecuária nacional. Quais caminhos são possíveis para combater a fome preservando e respeitando a diversidade ambiental? 

(AP): Essa é o que chamo de uma agenda quente. Para mim, assim como para uma grande maioria de brasileiros e brasileiras, é difícil entender como o Brasil com tantas terras e investimentos na agricultura, tem pessoas passando fome. Embora não seja simples a resposta para essa questão, o fato é que temos um país com elites extremamente conservadoras e seus interesses patrimoniais estão sempre acima de qualquer interesse ou situação coletiva. Então nós temos uma elite agrária, política e do mercado financeiro que não tem limites para o desmatamento, as queimadas, a contaminação de alimentos, da água, do ar e dos solos com a pulverização de agrotóxicos, desde que seu patrimônio se mantenha em crescimento. Essa situação associada à, ainda não resolvida, questão agrária no Brasil, são apenas alguns fatores das imensas desigualdades e concentração de renda, e como consequências a fome, a degradação ambiental e a violência. A Agroecologia já está comprovada como uma abordagem científica e uma prática que é capaz de produzir alimentos saudáveis, recuperar solos degradados, a biodiversidade e o manejo sustentável da água e das sementes, de modo que o papel de produção não está restrito à geração de renda ou à produção de uma mercadoria, mas os alimentos produzidos na Agroecologia carregam uma série de benefícios ambientais para toda sociedade. Essa será uma grande missão para esse governo Lula, que é retomar a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) destinando recursos que sejam capazes de alavancar, num curto espaço de tempo e de forma descentralizada, a produção de alimentos saudáveis, ou comida de verdade. E acho que no período mais crítico da pandemia da Covid-19, os movimentos e organizações sociais mostraram que a Agroecologia tem condições para produzir e distribuir em escala, desde que tenha investimentos.

(CCLF): O racismo ambiental impõe uma dinâmica violenta baseada em questões étnico-raciais que oprime e viola os direitos das populações indígenas, negras, quilombolas e tradicionais. No Brasil, tem como pensar em mudanças climáticas sem pensar nessa matriz de opressão? 

(AP): Não. A agenda climática tem que assegurar de forma permanente o olhar contra o racismo ambiental que sofrem esses grupos populacionais que você cita, mas quero acrescentar o povo negro das periferias das cidades, sobretudo dos grandes centros. As chuvas em 2022 e agora em 2023, que afetaram Pernambuco e São Paulo, são uma demonstração evidente que serão as populações negras e das periferias urbanas que irão sofrer mais com os efeitos das mudanças climáticas. No mês de maio de 2022, a Região Metropolitana do Recife acumulou mais de 800 mm de chuvas e causou grandes deslizamentos e enxurradas, deixando 128 mortos. Onde estavam essas pessoas? Nas periferias das cidades. Qual a cor da maioria dos mortos? Preta. Mas é necessário e urgente entender que essa situação apenas está se repetindo, mas os governos do estado e os municípios parecem atuar apenas na emergência e não dedicam esforços e recursos para construir com a participação popular, planos de requalificação urbana e ambiental que reconheçam a emergência climática. Vejo certa negligência nessa situação, e nesse caso temo que lamentavelmente vamos ver outras vezes essa situação se repetir.

 

¹Alexandre Henrique Bezerra Pires é Sertanejo, Biólogo, mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (UFRPE), militante do Movimento Agroecológico e foi convidado para ocupar o Departamento de Combate à Desertificação no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

 

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Foto: Reprodução das redes sociais/ Cedida pelo autor