Ainda é cedo para avaliar os efeitos da legalização (e estatização) do processo produtivo da maconha no Uruguai. A medida corajosa tomada pelo governo de Pepe Mujica ainda é assunto de muita polêmica – especialmente fora do seu país.
A proibição à produção, venda e uso medicinal ou recreativo da cannabis está de pé no Brasil desde o final da década de 30. Será que está valendo à pena?
Antes de mais nada, é preciso uma reflexão acerca da permanente polêmica sobre o que faz mais mal à sociedade: a droga e si ou a sua proibição? É verdade que, em nosso país, são praticamente inexistentes as pesquisas sérias sobre as propriedades farmacológicas da erva.
Mundialmente, porém, diversos cientistas, de várias especialidades já debruçaram-se sobre a maconha, descobrindo cada vez mais usos da planta – seja de sua fibra ou de seus componentes químicos. Hoje em dia sabe-se que a maconha pode ser usada com eficácia tanto no fabrico de tecidos, sabonetes e shampoos quanto para estimular o apetite de pessoas que vivem com o HIV, reduzir as náuseas da quimioterapia ou ainda como tratamento auxiliar para o glaucoma e outras doenças.
É inegável que uma parcela dos usuários recreativos de maconha possam apresentar dependência. O grau de adição da substância é, porém, considerado ‘leve’ de acordo com a Organização Mundial de Saúde, sendo de menor potencial ofensivo se comparado, por exemplo, a drogas lícitas como o álcool e o tabaco.
Por outro lado, a proibição tem um custo social e financeiro que precisa urgentemente ser avaliado com sobriedade. Enquanto praticamente não há relatos científicos sobre mortes causadas por overdose de maconha, por exemplo, não são raras notícias sobre episódios de violência – e morte – causados pela proibição. A partir do momento que o controle e regulamentação do comércio desta planta está nas mãos de criminosos (organizados ou não), é de se esperar que a cadeia produtiva (que vai desde o plantio até o uso pelo consumidor final) seja marcada pela violência. É comum ouvirmos representantes do poder policial posicionarem-se dizendo que parte significante da violência no país é advinda “das drogas”. A pergunta é: “quem causa a violência são as drogas em si ou a marginalização de seu comércio”?
Pior: a proibição não funciona nem para o que se pretende. Ao longo das décadas em que seu plantio e comércio são proibidos em território nacional, o consumo de maconha só tem aumentado. Ou seja, se realmente considera-se nocivo o uso desta substância, está provado que a solução proibicionista está longe de ser a ideal.
Em todo o país, defensores e defensoras de direitos humanos têm acompanhado um aumento cada vez maior na população carcerária. De acordo com estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o tráfico de entorpecentes é o principal responsável por esta superpopulação. Em 2009, 86 mil pessoas ocupavam as prisões brasileiras por conta deste crime. Em segundo lugar, vinha o roubo, com 74 mil. Para prender toda essa gente foi necessário mobilizar policiais, armas, veículos, equipamentos de inteligência.
No Brasil, não há estatísticas sobre o valor empreendido pelo estado na chamada “guerra às drogas”. Nos Estados Unidos, porém, estima-se que cerca de 15 bilhões de dólares foram utilizados com este fim somente em 2010. Ou seja: nada menos que 500 dólares por segundo. Gastos estaduais e locais, somados, ultrapassam os 25 bilhões. Será que este recurso não poderia ser melhor empregado em campanhas educativas, controle de qualidade e tratamento para pessoas que sofrem com a dependência?
Será que, sob a regulamentação do estado, a cadeia produtiva da cannabis não poderia representar divisas e alternativas de emprego e renda para a população brasileira? Será que o aumento de estudos sobre as propriedades farmacoquímicas da maconha não poderiam fazer com que fossem descobertos novos – possivelmente mais baratos – tratamentos para algumas doenças como câncer a AIDS?
Será que a sociedade não lucraria com a redução da população carcerária, fazendo com que o aparelho coercitivo do estado estivesse mais disponível para combater os chamados ‘crimes com vítima’?
É verdade que houve avanços nesta discussão, que desembocaram na Lei Antidrogas no 11.343 (2006), que prevê penas mais leves para usuários. Mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido. A própria definição de ‘usuário’ é vaga. Não são poucos os casos de pessoas que cultivam a erva para consumo próprio (para não financiarem o crime), presos como se fossem traficantes. Diferenças de raça e condição social também têm sido ‘determinantes’ na distinção entre usuário e traficante.
Por tudo isso é fundamental que entidades de direitos humanos de todo o país participem dos espaços de diálogo sobre este tema, apropriando-se da temática e discutindo com os sujeitos que estão levando a questão mais adiante. Não podemos mais nos esquivar desta luta, tão intimamente ligada a direitos como saúde, educação, cultura, trabalho e acesso à justiça.