Chico Mendes, Dorothy Stang, Maxciel dos Santos, Paulo Paulino Guajajara, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, Zezico Rodrigues Guajajara, Sarapó Ka’apor. Cada um desses nomes carregam histórias de luta e resistência em defesa do meio ambiente e das populações indígenas. Cada uma dessas pessoas, e tantas outras, foram vítimas dos interesses políticos que ditam, a partir da lógica da necropolítica, as regras do jogo. Bruno Pereira, indigenista brasileiro, e Dom Phillips, jornalista britânico, estão – tristemente – entre estes nomes desde ontem, 15 de junho de 2022.
Experientes e reconhecidos em suas áreas de atuação, Bruno e Dom representam parte dos profissionais responsáveis por denunciar o desmonte de órgãos de fiscalização e controle; o assassinato de ativistas; os crescentes casos de desmatamento; a negligência na proteção da Amazônia pelo Governo Federal; a presença do narcotráfico nas terras que abrigam os povos originários; a grilagem; e a exploração dos territórios indígenas pelo garimpo, pela caça e a pesca ilegais.
Após a Polícia Federal ter encontrado, nessa quarta-feira (15), os possíveis corpos de Pereira e Phillips, desaparecidos desde o dia 5 de junho na região do Vale do Javari – a segunda maior terra indígena do país -, localizada no Amazonas, o sinal de alerta para a vida dos defensores de direitos humanos precisa ressoar o mais alto possível. Estamos no topo dos países que mais se mata ativista ambiental no mundo. O que existe no Brasil, hoje, é uma guerra.
No país do “cidadão de bem”, o crime não é matar. No país da “família e dos bons costumes”, errado é defender a vida e as riquezas naturais.
Dom e Bruno foram assassinados por estarem contra a morte da Amazônia e ao lado de quem está vulnerável. As mortes dos ativistas eram evitáveis, já que o indigenista denunciava, a diversos órgãos responsáveis por estratégias de proteção e preservação, o perigo que a população dali corria. E não, isso não é uma aventura, como o presidente Jair Bolsonaro afirmou à imprensa ao saber do desaparecimento de Philips e Pereira. “Isso é jornalismo”, como bem pontuou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Isso é combater a violação de direitos humanos.
E, apesar da comoção que tem se alastrado internacionalmente uma vez que há o envolvimento de um profissional reconhecido pelo mundo, é necessário deixar – ainda mais – evidente que assassinatos como esse acontecem constantemente longe dos olhos da imprensa em localidades como o Vale do Javari espalhadas por esses ‘Brasis’, e que a morte de Dom e Bruno não podem se acomodar à nossa frente. A situação realça um cenário grave que quilombolas, indígenas e ribeirinhos enfrentam sem os holofotes da mídia, sem operação policial, sem justiça e sem a sensibilização da sociedade civil.
O Brasil de Bolsonaro persegue ativistas, indígenas e jornalistas
De acordo com o monitoramento da ONG Global Witness, em 2020, o Brasil foi o quarto país mais perigoso para defensores do direito à terra, com 20 mortes naquele ano, e desde o começo do estudo, em 2012, se manteve próximo ao topo do ranking. Se o cenário já era de insegurança, com o governo do presidente Jair Bolsonaro e a ascensão do fascismo em território brasileiro os perigos se acentuaram.
Já em vésperas da campanha à presidência de 2018, Bolsonaro prometeu que em seu governo não teria “um centímetro de terra para indígenas e quilombolas”, e desde então vem cumprindo a promessa. Segundo apuração do jornalista Jamil Chade, nenhuma das recomendações da ONU para a defesa das populações indígenas foi cumprida pelo presidente. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o chefe do executivo no tribunal de Haia por genocídio indígena, em razão das práticas desde o início do mandato dele e, em especial, durante o período pandêmico – o relatório Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta que 182 indígenas foram assassinados em 2020, representando um aumento de 61% em relação a 2019.
Além do estado de constante ataque a ativistas e indígenas, os jornalistas também estão entre aqueles perseguidos por este governo pautado no extermínio da diversidade e da democracia. O relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, realizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), registrou 430 casos de agressões a jornalistas e veículos de comunicação em 2021, com Jair Bolsonaro sendo responsável por 147 deles. Em tempos de autoritarismo, o jornalismo é um dos primeiros setores perseguidos por fiscalizar, apurar, denunciar publicamente as contradições presentes na sociedade e no governo em voga. Outros números de destaque do relatório são os casos de censura (140), agressões verbais/ataques virtuais (58), ameaças/intimidações (33) e agressões físicas (26).
Quem eram Bruno Pereira e Dom Phillips?
Repórter investigativo britânico de 57 anos, Dom Phillips estava no Brasil desde 2007 e morava em Salvador, onde também atuava em um projeto social na periferia da capital baiana ao ensinar inglês para a juventude local.
Atualmente, realizava pesquisas para seu livro “Como salvar a Amazônia” sobre o cenário de ameaças na região, a partir da bolsa da Fundação Alicia Patterson, dos EUA.
Era reconhecido internacionalmente por seus artigos – em especial sobre a política e meio ambiente na Amazônia – no Washington Post, The Intercept, The Guardian e New York Times.
Dom Phillips, presente!
O indigenista recifense de 41 anos, Bruno Pereira, estava na Funai desde 2010, tendo sido exonerado – após uma operação contra garimpeiros – em 2019. No órgão ele era coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial.
Bruno era uma das referências na instituição na proteção aos povos indígenas isolados e chefiou a maior expedição em anos da Funai a fim de evitar o conflito entre grupos isolados – o que realizou com sucesso. Nesse tempo, foi reconhecido como uma autoridade pelos indígenas do território que atuava e, a convite da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) após entender que na Funai não cumpriria sua missão ao lado dos indígenas, passou a trabalhar como consultor técnico para a organização na vigilância e denúncia – sem a contribuição da Funai – contra os garimpeiros, madeireiros e narcotraficantes na região do Vale do Javari.
Bruno Pereira, presente!
O Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) ainda destaca o glorioso trabalho dos povos locais para encontrar Bruno e Dom, mesmo que a imprensa tradicional não os coloque como protagonistas dessa operação para achar dois dos nossos e peças tão importantes para compreender as dinâmicas de proteção da Amazônia e seus povos. Foram os indígenas do Vale do Javari que mapearam e indicaram os caminhos. Nosso respeito e solidariedade.
O CCLF, com quase 50 anos de trajetória ao lado de ativistas, da população indígena e dos jornalistas se une ao coro: Quem mandou matar Bruno Pereira e Dom Phillips?
O Brasil tem falhado. Mas, seguimos lutando!
Escrito por Marcelo Dantas¹ e Rebecka Santos²
¹Estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e estagiário de comunicação do CCLF
²Jornalista e coordenadora do Programa Comunicação e Incidência e Direito à Comunicação do CCLF
Imagem: Reprodução das redes sociais/ Cris Vector