Coluna: Cultura Jurídica e Direitos Humanos
Por Manoel Moraes

A marcha da história levou a humanidade a refugiar-se na criação da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja carta de fundação destacou pontos fundamentais, como a busca pela paz, como o objetivo central. A igualdade entre mulheres e homens, a igualdade entre as nações, sejam elas grandes ou pequenas… E consagrou o direito internacional como capaz de promover “o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla”.

Em 10 de dezembro de 1948, foi assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pelos países signatários da ONU como reação à indignidade das guerras e dos genocídios promovidos pelos Estados. Seria ingenuidade afirmar que a Declaração conseguiria superar o colonialismo de muitos países signatários sem considerar os fatores econômicos e da geopolítica que estão em jogo.

Passados 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o seu programa ainda é atual, como podemos observar em seu preâmbulo que afirma a necessidade do “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Trata-se do documento internacional mais traduzido no mundo, e, ao mesmo tempo, tem seu conteúdo ignorado por grande parte da população brasileira. Em parte, pelo desmonte das Políticas de Direitos Humanos dos últimos anos de governos de direita; e mesmo pela resistência de setores da elite política brasileira, ainda colonizada por ideias racistas e autoritárias.

Em seus dispositivos, a DUDH desafiou o mundo para não ser indiferente à miséria humana, aos mais fracos e oprimidos. Contudo, os líderes mundiais são, em sua maioria, indiferentes ao seu legado que tem raízes filosóficas na compreensão da proteção integral da dignidade humana, e também consagrou dispositivos que buscaram limitar a ação humana, como por exemplo, Art. 5º: “ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Foram consignadas ideias de autonomia, participação e igualdade não só de oportunidade, mas de gênero, valores que ameaçam os pressupostos de uma sociedade marcada pelo patriarcalismo europeu.

Na América Latina, constata-se o crescimento da doutrina decolonial e de uma tutela multinível dos Direitos Humanos[1], cujo princípio reconheceu que os entes subnacionais se comprometem em fazer cumprir os tratados de Direitos Humanos e suas obrigações. Mas, e quando as incertezas se apresentam quando milhões de brasileiros estão sofrendo por insegurança alimentar, não tem acesso à escola e nem ao saneamento básico? Como podemos falar de empatia quando o tema dos DUDH é permeado de riscos a sua implementação? Parece que o desconhecimento é proporcional à indiferença que temos em relação aos riscos de uma sociedade colapsada ambientalmente ou socialmente.

A DUDH para tornar-se mais que um documento, cuja aplicação é progressiva em matéria de direitos, é urgente que seus princípios se tornem uma reivindicação popular. E para este objetivo, é fundamental o fortalecimento da democracia constitucional. Celebramos neste dia a luta de gerações para que os Direitos Humanos deixem de ser abstratos e passem a ser constitutivos das Políticas Públicas necessárias para o cumprimentos dos Dhesca’s (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). Quem sabe, tornando o sujeito os movimentos sociais, este objetivo fique mais próximo de acontecer. Reduzindo a indiferença à DUDH, teremos menos incertezas.

[1] SANTOS, Gustavo Ferreira; ALMEIDA, Manoel Severino Moraes (Org.). Tutela Multinível de Direitos Humanos. Andradina: Meraki, 2020.

Foto: ONU

 

Manoel Moraes é doutor em Direito, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), titular da Cátedra UNESCO/UNICAP de Direitos Humanos Dom Helder Camara e Coordenador Geral do Cendhec – Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social.