Nas democracias representativas o voto é parte vital e básica para o desenvolvimento e manutenção da sociedade. No Brasil, há menos de um século, as mulheres não podiam exercer essa atividade. Foi somente a partir de 1932, com um novo Código Eleitoral, que conquistaram o direito ao voto, na esteira do Movimento Sufragista no país. Contudo, o decreto provisório de 1932 condicionava a possibilidade de voto à relação da mulher com o homem – se fosse casada, o marido teria que autorizar, se fosse solteira ou viúva, precisaria de renda própria. Como bem pontuado em matéria escrita por Flávia Ribeiro, no Alma Preta, “legislações anteriores ainda proibiam que pessoas analfabetas votassem. Ou seja, as exigências excluíam boa parte das mulheres negras.” Dois anos depois, em 1934, a Constituição Federal não mais restringia o voto das mulheres, e em 1946 a obrigatoriedade do voto também se referia às cidadãs.

Nessa quinta-feira (24), a conquista desse importante direito completou 90 anos e tentamos compreender seus significados num país onde a maioria das pessoas votantes são mulheres, apesar de representarem somente 14,8% das vagas no Senado e 15% na Câmara dos Deputados. Nas eleições municipais de 2020, foram eleitas 9 mil vereadoras contra 47,3 mil homens, ou seja, apenas 16% das candidatas à vereança foram eleitas, sendo 6,3% mulheres negras.

Uma das diferentes formas de violência encontradas no jogo eleitoral é a utilização de candidatas como “laranjas” para completar a cota de gênero de 30%. Na mais recente eleição, de 2020, estima-se que de 170 mil mulheres que disputaram vagas, pelo menos 5 mil estariam na condição de “candidatura de fachada”. Uma leitura possível de ser feita a partir desses dados é o da tentativa de afastamento das mulheres dos espaços institucionais de poder.

Historicamente o patriarcado tem orquestrado a sociedade de tal forma a relegar às mulheres – majoritariamente às mulheres negras – a esfera doméstica, enquanto aos homens cis e brancos cabe o mundo, exercendo assim formas de dominação. Como bem pontua Maria Teresa Ferreira para o Blogueiras Negras: “as questões relacionadas a trabalho, política, acesso e efetivação de direitos perpassam os conceitos de gênero e raça, porque tanto as mulheres negras quanto os homens negros estavam acostumadas ao trabalho desde o inicio da escravidão nas Américas.”

Mas a própria História aponta a resistência das mulheres e a luta organizada nas questões de gênero e raça:

“O movimento de mulheres no Brasil é um dos mais respeitados do mundo e referência fundamental em certos termos do interesse das mulheres no plano internacional. É também um dos movimentos com melhor performance dentre os movimentos sociais do país. Fato que ilustra a potência deste movimento foram os encaminhamentos da Constituição de 1988, que contemplou cerca de 80% das suas propostas, o que mudou radicalmente o status jurídico das mulheres no Brasil.” (CARNEIRO, Sueli, 2003, p.117)1.

O voto não é tão somente o ato de digitar os números na urna eletrônica, vai muito além, principalmente no Brasil, país de democracia ainda muito jovem e que vive sob constantes ameaças de seu fim – a ditadura empresarial-militar só terminou em 1985, e ainda possui forte influência na política nacional e nos demais setores da sociedade. Machismo, racismo e LGBTQIAP+fobia são tônicas do processo eleitoral que precisam ser combatidas e as candidaturas feministas e antirracistas se apresentam como trincheiras de luta nesse campo, através de um olhar que entende as diferentes opressões sociais, e mais do que isso, que congrega pessoas que entendem dessas dores, para uma campanha e mandato dialógicos.

“Ao politizar as desigualdades de gênero, o feminismo transforma as mulheres em novos sujeitos políticos. Essa condição faz com que esses sujeitos assumam, a partir do lugar em que estão inseridos, diversos olhares que desencadeiam processos particulares subjacentes na luta de cada grupo particular. Ou seja, grupos de mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo, possuem demandas específicas que, essencialmente, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob a rubrica da questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que definem o ser mulher neste e naquele caso.” (CARNEIRO, Sueli, 2003, p.119)2.

 A mandata Juntas é um exemplo da importância da representação feminina (e feminista) nos espaços de poder. O coletivo composto por cinco codeputadas estaduais (Psol) – Robeyoncé Lima, Kátia Cunha, Carol Vergolino, Joelma Carla e Jô Cavalcanti – foi eleito em 2018 e preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Dentre as bandeiras defendidas está a defesa da população LGBTQIAP+, a luta pela moradia e por uma educação de qualidade.

1 CARNEIRO, Sueli. (2003). MULHERES EM MOVIMENTO. In ESTUDOS AVANÇADOS, 17 (49), 117-133.
2 CARNEIRO, Sueli. (2003). MULHERES EM MOVIMENTO. In ESTUDOS AVANÇADOS, 17 (49), 117-133.

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Escrito por Marcelo Dantas, estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e estagiário de comunicação do CCLF.
Editado por Rebecka Santos, jornalista e coordenadora do Programa Comunicação e Incidência e Direito à Comunicação do CCLF.