Fernando Silva*

 

Compartilho, depois das mal traçadas linhas, um endereço virtual para acessar um vídeo. Quando assisti o bicho fiquei com uma vontade danada de reafirmar: não brinco Carnaval. Levo a sério. A seriedade é tão intensa que dura seis dias consecutivos, afora os ocasionais, também conhecidos como prévias, que segundo meu amigo Gilson, um dos fundadores do Bloco Feijoada da Mamãe, começam em setembro do ano anterior e acabam, para algumas pessoas, na quarta-feira de cinzas, no ano seguinte.

Como levo muito a sério o Carnaval, a última quinta-feira à noite era para ser dedicada à abertura do Carnaval em Olinda, com a imperdível apresentação do Alceu Valença, a atração principal.

Ontem, sexta-feira à noite, nas Marins dos Caetés, era de preparação da feijoada do Bloco Feijoada da Mamãe, destinada às seletas 100 pessoas (não confundir com a Cachaça Seleta, muito boa, por sinal) amigos, amigas e familiares. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas idosas. E “tomar umas e outras e cair no passo”. Viva o mestre Capiba.

A concentração da Feijoada da Mamãe é no sábado de Carnaval, no quintal maravilhoso do Centro de Cultura Luiz Freire. Na intimidade, o CCLF ou Cefelê. Haja intimidade! Comer cuscuz com manteiga, frutas. Tomar água, refrigerantes (dietético, incluso) e outras bebidas para animar os corações, cabeças, braços, antebraços, pernas, cinturas e até os olhos. Depois, sair pelas ladeiras de Olinda, num itinerário que vai da Rua 27 de Janeiro, Prudente de Moraes, Quatro Cantos, São Bento, Prefeitura de Olinda e volta ao ponto inicial, ao som da orquestra de Robson. Só frevo, especialmente, Frevo de Rua.

“Bom demais, bom demais

Bom demais, bom demais

Menina vamos nessa

Que esse frevo é bom demais” (Alceu Valença).

Na volta ao Cefelê é o momento de comer a feijoada, preparada por minha amiga de mais de três décadas, Ana Nery. Do curso de História na UNICAP (1986-1990) para o CCLF e as ladeiras de Olinda. Ah, não podemos e nem devemos esquecer de continuar os “molha a goela”, com as devidas atenções etárias, sanitárias e gostos.

A seriedade continua no domingo. Opções não faltam. O Enquanto Isso na Sala da Justiça, no Alto da Sé, é uma pedida para iniciar a domingueira. Depois não faltam blocos, orquestras etc. e tal para Frevar,  Maracatar, Sambar. E o famoso e o escambau.

“Eu tenho mais que tá nessa

Fazendo mesura na ponta do pé

Quando o frevo começa

Ninguém me segura

Vem ver como é (Alceu Valença).

À noite, Recife Antigo.

“Alô!

Voltei, Recife

Foi a saudade

Que me trouxe pelo braço

Quero ver novamente Vassoura

Na rua abafando

Tomar umas e outras

E cair no passo”.

Segunda e terça, nas manhãs, vamos às ladeiras das Olindas.  Nos últimos 18 anos, sempre com meu filho João Fernando, o meu influenciador não digital, e o idealizador do Bloco Feijoada da Mamãe, quando tinha nove anos de vida.

Para os que não sabem o Bloco Feijoada da Mamãe decidiu sair no sábado só para humilhar aquele do Recife, conhecido por algumas pessoas, como o Galo da Madrugada, considerado o maior do mundo. Pode até ser. Porém, depois do Feijoada da Mamãe, passou a ser o pinto da madrugada. Para vocês terem uma ideia da dimensão do Feijoada da Mamãe, o melhor do universo (maior, não tem nada a ver) tenho recebido ameaças de morte e João Fernando tem sido pressionado para mudar o dia e o horário do nosso bloco. Um absurdo carnavalesco. Então, vocês podem escolher entre o melhor e o maior. Tem, no máximo, 100 pessoas, todas queridas, que há 10 anos fizeram a escolha correta.

E pelo amor de Deus, entendam, não sou totalmente contra a vida virtual. Carnaval virtual, nem pensar, nem em sonhos. Muito menos em pesadelos. Então, que venham as vacinas para todas as pessoas. Vamos virar jacarés e mudar o DNA, na folia e na fantasia da vida. Gosto da rua desde as grandes mobilizações pelas Diretas Já (1983) e dos carnavais do “Nóis sofre, Mas nóis goza”. Viva Tarcísio Pereira, da Livro 7, e do Azulão do Bandepe, nos anos 1980.

E “para não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré), o Feijoada da Mamãe foi criado numa conversa com João Fernando, que numa noite comendo cuscuz com manteiga disse que eu havia prometido criar um bloco de carnaval. Acho que eu estava muito pouco sóbrio no momento da dita promessa. Mas, vamos lá. Falei de várias dificuldades em criar e manter um bloco de carnaval. Sem gaguejar e sem se engasgar com o cuscuz e a manteiga, João Fernando resolveu todas as dificuldades adultocêntricas que apresentei.

Primeiro, o nome do bloco; depois, a idealização e a confecção do estandarte. Disse que todo ano era preciso fazer outro estandarte. Nada disso, pai. Basta colocar no primeiro “Desde ano tal”. E a letra da música? Ele cantarolou uma estrofe. Pedi para repetir. Ele repetiu. Disse pera aí. Fui buscar papel e lápis. Ou caneta? Não importa. Cantou novamente. Eu anotei. Mas, uma estrofe é pouco. A segunda, veio na lata. Ou se preferir, da boca. Dele. Tudo anotado. Até musicaram a letra. Contudo, João Fernando não gostou. Disse que mudaram a letra da música. Não é o feijão da mamãe. É a feijoada da mamãe. O ritmo não é frevo agitado, o de rua. Até hoje, devo a João Fernando uma articulação para musicarem a letra.

Não vou publicar a letra, preciso da autorização do autor. Ou melhor, deixa inédita, por enquanto. Só vamos divulgar depois que musicarem. Frevo de rua. Vamos lá. Para terem uma ideia da letra. No dia do Bloco, de comida, só frutas e cuscuz com manteiga, porque a feijoada estragou e mamãe ficou desesperada, correu pra lá e pra cá, e resolvi fazer e servir cuscuz com manteiga.

Agora, vocês podem assistir ao vídeo. E saberão porque levo muito a sério o Carnaval de Pernambuco. https://www.youtube.com/watch?v=cSa6qMr8zwI

 

*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. Escreve quinzenalmente, aos sábados.jfnando.silva@gmail.com

 

Fonte: Falou & Disse