A tese do Marco Temporal tem origem em uma ação de reintegração de posse movida pelo estado de Santa Catarina, em 2009, contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e os povos indígenas do território indígena Ibirama-Laklãnõ, que é habitado pelos povos Guarani, Kaingang e Xokleng. O território é reconhecido por antropólogos da Fundação como pertencente aos indígenas e foi validado pelo Ministério da Justiça.
Desde então, o Projeto de Lei (PL) 490/2007, conhecido como Marco Temporal, está em tramitação na Câmara e recentemente foi colocado em debate com urgência devido à pressão política e às discussões em torno dos direitos indígenas. O PL propõe que apenas as terras indígenas ocupadas por esses grupos sociais até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, sejam demarcadas como terras indígenas. Para serem consideradas ocupadas, é necessário comprovar que eram habitadas e utilizadas com propósitos produtivos e culturais. Além disso, a tese proíbe a ampliação das terras já demarcadas e transfere a competência de demarcação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O PL do Marco Temporal representa um retrocesso sem precedentes para o país. Ignora o fato de que inúmeros indígenas foram expulsos de suas terras antes da promulgação da Constituição, principalmente durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985). Além disso, desconsidera completamente o fato de que esses povos já habitavam o território hoje chamado Brasil antes da invasão e do genocídio promovidos pelos europeus, e continuam enfrentando desafios impostos por setores do agronegócio. De acordo com a ONG “De Olho nos Ruralistas”, 18 deputados e senadores da bancada ruralista receberam doações de mais de três milhões de reais de fazendeiros que possuem terras total ou parcialmente em territórios indígenas.
A bancada ruralista defende o PL do Marco Temporal argumentando que ele trará maior segurança jurídica no campo e garantirá mais investimentos. Dos 18 deputados que receberam doações dos fazendeiros, apenas um não votou a favor do Marco Temporal por não estar presente durante a votação. No dia 7 deste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.107.365 sobre o marco temporal. Esse julgamento havia sido interrompido em 2021 devido a um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Ao retornar com o placar de um voto favorável (do ministro Nunes Marques, indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro) e um voto contrário (do ministro Edson Fachin), o ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal. Já o ministro André Mendonça, também indicado por Bolsonaro, pediu vista, o que suspendeu o julgamento por até 90 dias.
No último dia 13, José Francisco Calí Tzay, relator da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, alertou que o marco temporal vai contra os padrões internacionais de Direitos Humanos e pediu que o Senado e o STF rejeitassem a tese. Segundo a cartilha “Não ao Marco Temporal!”, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), se o PL for aprovado, 1393 terras indígenas estarão ameaçadas, independentemente de estarem registradas, homologadas ou não. Além disso, os povos indígenas isolados também serão afetados, devido à dificuldade e até impossibilidade de comprovar sua presença até a data estabelecida. A cartilha também revela o impacto negativo para o meio ambiente brasileiro, uma vez que “29% do território ao redor das Terras Indígenas está desmatado, enquanto dentro das mesmas há apenas 2% de desmatamento”.
De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, o Marco Temporal representa um perigo para essa população, pois inviabiliza a demarcação de terras indígenas, ameaça os territórios já homologados e retira direitos constitucionais. É uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil atualmente, por isso, o CCLF DIZ NÃO AO MARCO TEMPORAL!
Foto: Matheus Sá