Tendo a compreensão das contradições e desigualdades baseadas no gênero que moldaram e ainda moldam nossa vida em sociedade, e dos símbolos e significados que a data 8 de março carrega, o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) realizou uma entrevista com Izabel Santos¹, coordenadora geral do Centro das Mulheres do Cabo (CMC), para elucidar cenários e caminhos após a derrubada da extrema direita do principal cargo político de uma nação e o retorno de um governo de esquerda para presidir o país.

Izabel também fala sobre a organização feminista que coordena, cuja atuação se dar nas áreas: “Mulher, Direitos e Poder”; “Direitos das Crianças, Adolescentes e jovens”; e “Governança e Desenvolvimento Institucional”.

Confira a conversa completa abaixo:

Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF): Passado um governo de extrema-direita, que perseguiu intensamente os direitos das mulheres, o que significa este 8 de Março?

Izabel Santos (IS): Este 8 de março tem um significado muito importante! Tem a ver com a nossa vitória, com um novo esperançar, com a perspectiva de retomarmos a democracia, de termos sobrevivido a uma pandemia e a 4 anos de um governo misógino que nos perseguia, que violava os nossos direitos. Este 8 de março será um momento de extravasar o nosso grito por direitos!

CCLF: Qual a expectativa para as Políticas Públicas para as mulheres com estes novos Governos Federal e Estadual?

IS: Com o Governo Federal já podemos vislumbrar um novo caminho. Foi resgatado o Ministério da Mulher, o Ministério da Igualdade Racial e o Ministério dos Direitos Humanos; já nos sentimos, partes, sendo representadas. Já com o Governo Estadual, apesar do momento único em Pernambuco, de termos duas mulheres como governadora e vice, ainda estamos esperando a manifestação desse processo de inclusão. A lentidão do governo [estadual] tem nos deixado impacientes, mas acreditamos que as mulheres serão prioridade. Não vamos aceitar direitos a menos. Se isso acontecer, vamos brigar e buscar.

CCLF: O Centro das Mulheres do Cabo tem um forte trabalho com as mulheres jovens. Formar a juventude politicamente é um caminho para um mundo equânime?

IS: Sim, acreditamos na importância de empoderar mulheres jovens para que estas possam retroalimentar o Movimento Feminista. As mulheres jovens podem ser protagonistas de novas conquistas que até agora, mesmo com muita luta, ainda não conseguimos. Acreditamos e fazemos também um trabalho voltado para a educação de meninas, uma educação não sexista que possa formar jovens mais comprometidos com a igualdade de direitos.

CCLF: De acordo com o boletim “Elas Vivem: dados que não se calam“, em 2022 o Brasil teve 495 casos de feminicídio, o que representa mais de uma mulher vitimada por crime de ódio por dia. Por que esse tipo de crime continua a acontecer?

IS: Estes dados são estarrecedores, a mácula da violência de gênero é uma pauta que perseguimos cotidianamente, e esse tipo de crime continua a acontecer por conta do patriarcado que permeia as relações e reforçam comportamentos machistas.  A luta pelo fim da violência contra a mulher precisa ser uma luta de todas as pessoas e não só nossa, das mulheres feministas. Precisamos sensibilizar gestoras/es, parlamentares, organizações, justiça, imprensa. Tem que ser uma grande força-tarefa. Mas nós feministas não vamos nos calar, vamos continuar falando sobre isso e sobretudo mostrando às mulheres que elas não estão sozinhas e brigando por mais políticas públicas.

CCLF: O mesmo estudo ainda revela que em 2022 foram registrados 2.423 casos de violência contra a mulher. Entendendo que existem diferentes tipos de violência, da agressão física à pressão psicológica, há uma rede de atendimento e acolhimento suficiente?

IS: Não há uma rede suficiente, ainda precisamos de mais equipamentos públicos preparados para o atendimento às mulheres. Há carência de delegacias de mulheres e, principalmente, com plantões 24 horas nos fins de semana, onde acontece a maioria dos casos. Muitos municípios ainda não têm centros de referência de atendimento às mulheres, vara de violência domésticas e outros equipamentos. Ainda precisa melhorar bastante os serviços desta rede.

CCLF: O Centro das Mulheres do Cabo tem um programa de rádio comunitária que pauta e defende os Direitos Humanos, em especial das mulheres. Através da experiência do Rádio Mulher, como a comunicação pode ajudar no combate à desigualdade de gênero?

IS: A comunicação é um espaço muito importante, sobretudo via rádio, porque é um instrumento que chega a muitas pessoas. Nós acreditamos que dando voz às mulheres por meio dos programas, estamos trazendo nossas pautas para o cerne da discussão e, deste modo, mobilizando outras pessoas a pensarem estas questões que abordamos. Também chegamos aos gestores públicos e cobramos mais efetividade nas políticas.

CCLF: Quais mulheres são referência para o trabalho do Centro das Mulheres do Cabo?

IS: Nosso trabalho é muito voltado para as mulheres pobres, pretas e periféricas das comunidades do Cabo de Santo Agostinho. Mas também fortalecemos as lideranças, pois estas mobilizam outras e esta teia se irradia e cresce. Também fazemos a formação política de mulheres jovens para que se tornem mulheres com autonomia e independência, que não aceitem relações abusivas e não tolerem serem tratadas com violência. Temos também um trabalho de parceria com gestoras de política para as mulheres de 11 municípios da Região da Mata Sul, e com o movimento de mulheres da região, nos fortalecendo para que a luta não pare.

¹ Izabel Santos é formada em Filosofia e Biologia, especialista em Direitos Humanos, Gênero e Desenvolvimento em Políticas Públicas e é Coordenadora Geral do Centro das Mulheres do Cabo (CMC), onde tem atuação política desde 2002.

 

Foto: Reprodução das redes sociais/ Cedida pela autora