Estamos acompanhando mais uma vez em nosso país a discussão sobre se devemos ou não reduzir a maioridade penal de 18 anos para 16 anos. A PEC 171/93, que introduz a redução, segue agora para uma comissão especial na Câmara dos Deputados que analisará seu conteúdo.
Nós nos posicionamos totalmente contra essa proposta de redução da maioridade penal, pelos motivos que passamos a apresentar.
Primeiramente, essa proposta fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), regimento criado após a redemocratização do Brasil, que versa sobre todas as questões que envolvem as crianças e adolescentes do país, inclusive medidas socioeducativas para adolescentes em conflitos com a lei. Ademais, todos os tratados internacionais que versam sobre a temática, como as Regras de Beijing (ONU, 1959), a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) e os Princípios Orientadores de Riad (ONU, 1990) foram ratificados pelo Brasil, revestindo-se de status normativo-constitucional, o que torna inviável a elaboração de legislação com eles conflitantes.
Verificamos que o bombardeio midiático que associa a violência juvenil a crimes de muita gravidade e à impunidade se mostra uma total inverdade. Números da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça demonstram que as/os jovens de 16 a 18 anos são responsáveis por apenas 0,9% do total de crimes cometidos no país. Dos crimes cometidos por essas/esses jovens, a grande maioria é de crimes patrimoniais: furto e roubo (43,7% do total) e tráfico de drogas (26,6%), segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em 2011. Ademais, essa assistência estatal responsabiliza as/os adolescentes por seus atos infracionais, desmistificando o fato de haver completa impunidade para menores infratores. Entretanto, a realidade por trás dessas unidades de atendimentos a jovens em muito se parece com o sistema prisional adulto. Levantamentos do Conselho Nacional de Justiça apontam ocorrência de graves violações de direitos nestas unidades, como ameaça à integridade física, violência psicológica, maus-tratos e tortura, além de negligência relacionada ao estado de saúde das/dos adolescentes. Há ainda denúncias de jovens privadas/os de liberdade em locais inadequados, como delegacias, presídios e cadeias.
É sabido ser lugar comum a ideia de que prender é a solução. Contudo, está mais do que provado que o encarceramento não resolve, pelo contrário, deixa sequelas, aumenta a criminalidade e o rancor de quem sempre foi invisibilizada/o pelo Estado e na primeira oportunidade foi trancafiada/o em uma cela escura, superlotada, em condições desumanas. Sabemos que quem será presa/o, caso isso aconteça, serão as/os adolescentes pobres e pretas/os, jogadas/os em celas com adultos de todas as idades e sem qualquer tipo de distinção ou tratamento diferenciado para as especificidades de sua idade.
Hodiernamente, presenciamos um terrível quadro no qual o Brasil encontra-se em terceiro lugar no ranking de pessoas presas, com mais de 715 mil presas/os e com uma capacidade prisional para 357 mil, ou seja, temos uma vaga para cada duas/dois presas/os. Reduzir a maioridade penal é aumentar o número de presas/os dentro de um sistema superlotado, o que não educa, muito menos ressocializa (temos um índice de reincidência em 70%) e que em quase sua totalidade funciona sob o controle do crime organizado. Outro ponto importante, é que ao observarmos os 54 países que já inseriram essa medida, constatamos que nenhum deles reduziu o índice de violência.
Insta mencionar que nosso posicionamento contra a aprovação desta PEC não significa que defendemos que as coisas continuem como estão, muito pelo contrário. Hoje, no Brasil, 30 mil jovens morrem por ano, sendo 77% destas/es jovens negras/os. Portanto, lutamos por políticas públicas direcionadas a essa juventude que envolvam educação, segurança, lazer, cultura, etc. Acreditamos que é fundamental discutirmos a legalização das drogas visando desestruturar o tráfico de drogas, que hoje é um dos principais responsáveis em levar as/os jovens à criminalidade. Precisamos desmilitarizar as polícias e aprovar o Projeto de Lei 4471/12 que põe fim aos autos de resistência, que permitem às/aos policiais assassinar e não ser investigados, nem punidos. É mais do que necessária uma reforma do sistema carcerário que englobe toda uma discussão sobre política de segurança pública e efetivação dos direitos das/os presas/os. Em relação à juventude que comete crimes, para nós, muito mais sensato seria a efetivação da Lei 12.594 de 2012 – Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) –, que trouxe modificações de suma importância no que diz respeito à execução de medidas socioeducativas e, diga-se de passagem, ainda não foi implementada no país. Procurando dessa forma diminuir de fato a criminalidade e a violência, que hoje, infelizmente faz parte da vida destas/es jovens.
Diante deste cenário, e por tantos outros motivos, que mediante a presente nota reafirmamos sermos contrários à Proposta de Emenda Constitucional 171/1993. Além disso, estamos atentas/os na luta afim de que essa PEC não seja aprovada na Câmara, uma vez que reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, e não a causa. É preciso cobrar do Estado condições efetivas capazes de proteger e garantir um presente e futuro digno às/aos jovens. Juntas/os somos fortes! Diga não a redução da maioridade, vamos construir uma outra realidade!
Assinam esta nota:
ActionAid
Além das Grades
Analistas em Gestão Socioeducativa do Centro de Atendimento Socioeducativo – CASE
do Cabo de Santo Agostinho
Associação Brasileira de Redução de Danos – ABORDA
Associação do Ministério Público de Pernambuco – AMPPE
Associação Jurídico – Espírita de Pernambuco – AJE /PE
Campanha Nacional Pelo Direito à Educação
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Centro de Cultura Luiz Freire
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – Cendhec
Centro das Mulheres do Cabo
Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH
COLATIVA Intervenção Artística Feminina
Coletivo Aurora
Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco
Coletivo Boikot
Coletivo Feminista Diadorim
Coletivo Juntos!
Coletivo LGBT Toda Forma
Coletivo Luiz Gama de Advocacia Popular
Coletivo MUDA
Coletivo Nabuco
Coletivo Quilombo – PE
Coletivo Revocultura – UFRPE
Coletivo Por Uma Nova História – UFPE
Coletivo Uma História Possível – UFRPE
Comissão de Direitos Humanos Gregório Bezerra – UFRPE
Comitê de Direitos Humanos de Pernambuco
Comitê Não à Redução
Comitê Pernambucano da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos
Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente – CONDICA
Dignitatis
Diretório Acadêmico de Direito Demócrito de Souza Filho – DADSF – UFPE
Diretório Acadêmico Fernando Santa Cruz – DAFESC
Diretório Acadêmico de História Francisco Julião – Gestão Por uma Questão de Base -UFPE
Diretório Acadêmico de Psicologia – DAPSI – Gestão Trança
Escola de Conselhos de Pernambuco
Federação Nacional de Estudantes de Direito – FENED
Fórum de Juventude Negra de Pernambuco – FOJUNEPE
Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco
Grupo Asa Branca de Criminologia
Grupo Bongar
Grupo Contestação
Grupo de Estudos da Criança e do Adolescente da UFPE- GECRIA
Grupo Frida de Gênero e Diversidade
Grupo Magiluth
Humanitas
Instituto de Desenvolvimento Social e Cultural
Instituto José Ricardo pelo Bem da Diversidade
Instituto Papai
Juventude do PSOL – PE
Juventude do PT – PE
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial de Mulheres
Movimento Acionando Flores
Movimento Adefinir
Movimento Infantojuvenil de Reivindicação
Movimento Mudança
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
Movimento Nacional Mães pela Igualdade
Movimento Por Uma Universidade Popular – PE
Movimento de Trabalhadores Cristãos – MTC NE II
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Movimento Zoada
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – NAJUP
Observatório de Direitos Humanos Dom Helder Câmara
Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco – OAB/PE
Pastoral Carcerária
PT municipal
Raízes do Mangue
Rede Fale- Recife
Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária – RENAJU
Rede Nacional de Advogados Populares de Pernambuco – RENAP/PE
Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco – SINTEPE
Serviço Ecumênico nas Prisões – SEMPRI
Setorial de Direitos Humanos do PT
Trança – Diretório de Psicologia – UFPE
União dos Estudantes de Pernambuco – UEP
União da Juventude Comunista – UJC
Vestibular Cidadão