As eleições presidenciais de 2018 foram marcadas pela forte presença do WhatsApp e das redes sociais no jogo eleitoral, fazendo valer o disparo em massa de fake news para manipular a opinião pública e influenciar os votos. Foi nesse contexto que Jair Bolsonaro venceu o pleito e se tornou o novo Presidente da República.

A mentira ou a distorção não começou com a Internet. São conhecidos muitos casos de emissoras de TV que desvirtuaram ou ocultaram fatos para favorecer seus interesses. Também a espetacularização dos debates públicos já predominava na mídia tradicional, destacando os efeitos em detrimento dos conteúdos. A novidade do que ocorre a partir das novas tecnologias pode estar na escala (a velocidade de propagação quase imediata combinada com alcance global, popularizada como “viralização”) e no direcionamento segmentado das mensagens associado à coleta de dados pessoais dos(as) usuários(as) de Internet, o que torna o problema mais complexo de se enfrentar. (INTERVOZES, 2019, p. 6)¹

A prática da desinformação não parou nas eleições, seguindo de modo cotidiano nas redes sociais, principalmente nas questões que envolvem o governo federal e suas bandeiras. O benefício à classe política que está no poder é tanto, que seu representante defende abertamente as desinformações divulgadas. “Fake news faz parte da nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha para a sua namorada?”, afirma Bolsonaro.

A defesa vai além do discurso. Com as eleições presidenciais de 2022 se avizinhando, garantir que a máquina das fake news esteja a todo vapor é fundamental para a manutenção do cargo. Dito isso, no dia 6 de setembro, véspera dos atos antidemocráticos, Bolsonaro assinou a Medida Provisória (MP) 1068/2021, que modifica o Marco Civil da Internet e atrapalha a fiscalização das fake news, o que impede que as plataformas digitais de redes sociais (Instagram, Twitter e Facebook) possam apagar o conteúdo, no entanto, Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, devolveu a MP, além de Rosa Weber, ministra do STF, ter suspendido a Medida.

Com a derrota, o chefe do Executivo envia, no dia 19, um Projeto de Lei (PL 3.227) com a mesma finalidade. Segundo anúncio feito pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, o Projeto teria como objetivo garantir os direitos dos cidadãos na internet, ao combater “as arbitrariedades e as exclusões injustificadas e duvidosas, que lesam os brasileiros e suas liberdades”.

Diferente de uma MP, o Projeto de Lei só vale mediante aprovação dos deputados e senadores. Para Lídice da Mata, relatora da CPMI das Fake News, o texto, considerado como absurdo, não será aprovado. A cartilha “Desinformação: ameaça ao Direito à Comunicação muito além das Fake News” explica como as plataformas atuam no combate a desinformação:

Um dos mecanismos adotados pelas plataformas para enfrentar a desinformação online foi a redução no alcance de postagens e conteúdos considerados falsos pelas agências de checagem parceiras. Vale lembrar que as plataformas, com frequência, já têm removido por iniciativa própria conteúdos de usuários(as) quando esses não se enquadram nos chamados “termos de uso” da aplicação. Ou seja, tais empresas privadas já definem, a partir dos seus próprios critérios, o que pode ou não ser feito no ambiente de comunicação que controlam, implementando códigos e impedindo que conteúdos que apresentem determinadas características sigam publicados. Por isso, uma das principais batalhas atuais travadas na luta pelo direito à comunicação nas redes tem sido a que acontece em torno da remoção de conteúdos contra a vontade do(a) usuário(a) que o disponibilizou. (INTERVOZES, 2019, p. 29)

O Direito à Comunicação é um Direito Humano imprescindível para a sociabilidade e o desenvolvimento intelectual, afetivo e cultural, e, portanto, não deve ser encarado como privilégio. A PL de Jair Bolsonaro, é um projeto que facilita a desinformação e viola o Direito à Comunicação, uma vez que interfere na emissão e recepção da mensagem ao distorcer informações e confundir a população brasileira, pondo o interesse público em último plano e garantindo que seus interesses particulares estejam sempre em primeiro lugar.

O uso de mentiras para alcançar apoiadores pelo presidente tem consequências desastrosas na vida em sociedade, pois compromete a confiança entre os cidadãos, põe em risco o respeito à diversidade, promove a violência, fragiliza a democracia e, sobretudo, viola uma série de Direitos Humanos. Diferente do que declara o presidente, as fake news não são e nem podem ser confundidas com liberdade de expressão. 

O direito à comunicação, em geral, e à liberdade de expressão, em particular, são conquistas das lutas sociais. Como todos os direitos, devem conviver em harmonia com os demais. Mas como são definidas as regras em sociedades dominadas pela propriedade privada dos meios de produção e de comunicação social? É certo que são necessárias medidas para reduzir os efeitos da concentração de poderes e ampliar a participação da população na determinação das suas próprias vidas. A proibição do monopólio e do oligopólio, prevista pela nossa Constituição Federal, é uma delas. No ambiente digital, outras normas devem ser pensadas, dada a importância que aplicações – sobretudo as redes sociais – têm adquirido como esferas do debate público. Apesar dessa relevância, a população não tem participado daquilo que as plataformas digitais definem como suas políticas de uso, assim como desconhece o funcionamento dos seus algoritmos – as “instruções”, escritas em linguagem de programação, dadas às aplicações de Internet. Não sabemos, por exemplo, por que determinado conteúdo aparece para mim e não para você. (INTERVOZES, 2019, p. 25)

Em tempo, há dois anos o Intervozes publicou a cartilha “Desinformação: ameaça ao Direito à Comunicação muito além das Fake News”, um manual muito prático compartilhando alguns debates sobre o que consideram ser a chave da questão: a desinformação.

 

Leia a PL 3.227 clicando aqui.

 

¹ INTERVOZES. Desinformação: Ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Apoio Fundação Ford, 2019.

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Co-escrito por Marcelo Dantas, estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e estagiário de comunicação do CCLF, e por Rebecka Santos, jornalista e coordenadora do Programa Comunicação e Incidência e Direito à Comunicação do CCLF.