Iniciado em 2004 pela União Europeia, o Dia da Internet Segura (6) é um momento oportuno para jogar os holofotes sobre os problemas que o mundo virtual tem enfrentado e que tem rebatido na vida social, política e cultural de grupos sociais e países ao redor do planeta, a fim de tornar esse ambiente verdadeiramente seguro e não uma terra fértil para violações de direitos.

E com a premissa da internet ser cada vez mais parte da nossa vida, em todas as esferas, que o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) convidou o professor, pesquisador e Doutorando em Educação Tecnológica Jéfte Amorim para uma conversa sobre o contexto do mundo digital, como nos proteger das inseguranças e entender o papel da educação nisso tudo.

Confira a entrevista:

Centro de Cultura Luiz Freire: Nas últimas eleições presidenciais de 2018 e 2022 as fake news e o discurso de ódio se tornaram cada vez mais frequentes nas redes sociais digitais, colocando em cheque constantemente a Democracia e violando os Direitos Humanos. Na pesquisa “Panorama Político 2023”, foi apontado que quase 80% dos brasileiros e brasileiras esteve em contato com fake news política, no recorte dos últimos seis meses de 2022. Pautar uma internet segura no Brasil é também estar ao lado da Democracia?

Jéfte Amorim: Pautar uma internet segura com certeza é também defender a Democracia. A internet é o principal meio de interação social para uma parcela da população e é o principal meio de veiculação de informações da contemporaneidade, a gente tem um alto nível de consumo, principalmente a partir dos aplicativo de mensageria instantânea, que fazem com que pessoas ao redor do mundo se conectem e circulem informações numa velocidade como nunca vista antes, mesmo a TV e o rádio não tem a penetração e velocidade que a internet tem. Então diante desse volume de informação fica cada vez mais difícil fazer uma curadoria daquilo que é verdadeiro e daquilo que é inverdade, daquilo que é um dado ou um fato completo, daquilo que é uma distorção da realidade ao mascarar uma parte da informação e hipervalorizar outra, então diante desse contexto, diante desse fluxo de informação a gente precisa garantir um lugar de curadoria, um lugar de segurança para o uso das informações e isso é tão urgente que a própria Unesco, por exemplo, tem publicações pautando a alfabetização midiática e informacional. Tem dois relatórios importantes nos últimos anos que tratam desse assunto e que tratam da internet, mas também de outros aspectos, pois a gente precisa ser alfabetizado para lidar com a informação e para lidar com o mundo midiático, com o mundo digital, e isso envolve, por exemplo, vários outros letramentos ou várias outras alfabetizações, como a alfabetização emocional, como lidar com as diferenças, as divergências, como lidar com as manipulações de informação. Eu preciso ter um letramento social de como manejar as relações sociais e a internet é o principal meio de troca de informação e de troca de sociabilidade para uma grande parcela da população hoje, apesar de infelizmente a gente ter ainda metade do planeta longe das redes, mas metade do planeta está conecta e influencia e pauta as principais decisões no campo político. É importante que haja segurança nas informações e nas trocas sociais, nas trocas midiáticas, do mesmo jeito que a gente cuida da segurança no espaço público a gente precisa cuidar da segurança na internet, pois a internet também é um espaço público de troca de informações e sociabilidade.

Centro de Cultura Luiz Freire: O processo de desinformação atinge diferentes grupos sociais, e um deles que acaba estando mais vulnerável são as crianças e adolescentes, tanto pela grande exposição ao mundo virtual, como pela pouca vivência. Em 2023 foi divulgada uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que revela que apesar da maioria das crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, terem acesso à internet, quase metade delas não sabem a forma adequada de checar informações. Como é possível fortalecer este grupo frente à desinformação?

Jéfte Amorim: Infelizmente é uma realidade que boa parte da população, e nisso aí incluído as crianças e adolescentes, não conseguem ter acesso a uma alfabetização midiática e informacional, não conseguem ter acesso a ferramentas para conseguir manejar informações, manejar buscas e manejar o lidar com a mídia, e naturalmente lidar com isso envolve uma série de competências sociais, uma série de competências socioemocionais e cognitivas. A gente tem desigualdades que são, infelizmente, desigualdades endêmicas, que afetam o nosso país, e que cerceiam o acesso a uma série de recursos para desenvolvimento dessas competências para uma parcela da população, então diante desse contexto de desigualdades é urgente que tenhamos iniciativas focadas nessa alfabetização midiática e informacional, principalmente em um cenário em que cada vez mais o acesso a serviços tem sido digitalizados, até mesmo o exercício da cidadania tem sido digitalizado. A gente tem hoje, por exemplo, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) que é digital, a gente tem acesso a serviços para regularização do voto e título de eleitor que são digitalizados, alguns inclusive serviços presenciais sendo descontinuados em favor do digital. Então para garantir que as pessoas acessem a cidadania elas precisam saber sobre isso e saber identificar quando a informação é falsa e quando a informação é verdadeira é parte fundamental disso, até porque é possível contar uma mentira dizendo só verdades quando eu super valorizo uma parte da informação e nego o contexto inteiro daquele dado. É muito importante que a gente possa dentro da escola e nos currículos escolares dar essa formação para crianças e adolescentes, é muito importante que a gente tenha também espaços não formais e informais de aprendizagem sobre a alfabetização midiática e informacional e que também a gente tenha mecanismos de regulamentação para impedir os abusos e crimes cibernéticos.

Centro de Cultura Luiz Freire: São vários os fatores que tornam a internet um ambiente inseguro, ao mesmo tempo que é uma central para vários serviços essenciais, a exemplo de questões referentes a auxílios sociais e também serviços bancários. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, o estelionato virtual chegou perto de duplicar o número de casos de 2021, com mais de 120 mil para mais de 200 mil casos registrados no ano de 2022. Diante deste cenário, quais as responsabilidades dos usuários, das empresas e do Estado?

Jéfte Amorim: Infelizmente a internet é sim um ambiente inseguro com uma série de golpes e crimes sendo cometidos online. Dos usuários é importante que haja uma responsabilidade em relação ao que compartilha, em relação ao que diz, em relação ao que maneja. A responsabilidade do usuário é sobre aquilo que compartilha e sobre aquilo que veicula. A gente não pode também cobrar que esse usuário seja responsabilizado por não ter acesso à informação porque a gente tem uma circunstância de profundas desigualdades, então uma pessoa não saber identificar uma informação verdadeira de uma falsa não é responsabilidade dessa pessoa, desse usuário, isso é uma falta do Estado e de Políticas Públicas e uma falta de acesso a recursos de alfabetização midiática e informacional. No caso das pessoas que promovem golpes elas são responsáveis por promoverem esses golpes porque estão compartilhando e são responsáveis por aquilo que disseminam, no entanto as pessoas que são vítimas precisam receber, além de amparo, uma alfabetização midiática e informacional para saber se proteger e se prevenir desses golpes. É fundamental que o Estado haja nesse sentido de forma educativa, formando pessoas e formando multiplicadores, disponibilizando conteúdo confiável e educativo online, colocando isso dentro do currículo escolar e também trazendo espaços informais e não formais de aprendizagem para poder promover esse conteúdo. E por parte das empresas é fundamental que tenham políticas de segurança e de regulamentação para que possa agir de forma eficiente quando abusos são identificados. Infelizmente muitas empresas para não prejudicarem seus lucros, até porque boa parte das pessoas e empresas golpistas anunciam nessas plataformas, muitas vezes essas plataformas tardam em agir em função desse recurso, com modo de perder receita, ainda que essa receita signifique o ataque ao direito de outras pessoas.

Centro de Cultura Luiz Freire: Fake news, discurso de ódio e estelionato não são as únicas inseguranças no mundo da internet. Meninas, jovens e mulheres são também assediadas nesse espaço virtual, sendo a mais recorrente das violências que sofrem, seguida pela ameaça de divulgação de imagens privadas, conforme aponta o estudo “Além do Cyberbullying: A Violência Real do Mundo Virtual”. Como o avanço de determinadas tecnologias, como a inteligência artificial, podem ser apropriadas nessas violações?

Jéfte Amorim: A inteligência artificial pode ser um recurso muito poderoso para criar e para auxiliar o ser humano nas suas atividades do dia a dia, mas também pode ser utilizado para funções criminosas. É muito importante, por exemplo, que a gente tenha cuidado com as nossas imagens que são compartilhadas publicamente porque hoje facilmente eu consigo treinar uma inteligência artificial para criar as chamadas Deep Fakes, que são vídeos realistas com o nosso rosto. Alguém pode pegar um conjunto de várias imagens nossas, e quanto mais imagens, de vários ângulos diferentes, mais verídico o vídeo vai se tornar. Acontece também com a pornografia, infelizmente isso tem acontecido inclusive com algumas escolas daqui de Pernambuco, de adolescentes que tem pego fotos de outras adolescentes e meninas da escola e tem colocado em conteúdo pornográfico para circular através do WhatsApp. É muito importante frisar que isso é crime e por ser crime precisa ser denunciado para que haja um encaminhamento legal dessas questões. Tem uma série de outras possibilidades, por exemplo através da voz, de áudios de uma pessoa eu posso simular uma conversa usando a voz daquela pessoa, recentemente até houve a notícia de que um grupo de hackers no Oriente criou uma vídeo chamada com um funcionário de uma empresa se passando pelo chefe e fez aquela pessoa, que era responsável pelo financeiro, fazer algumas transferências na ordem de milhões de reais para algumas contas indicadas, e veja, usou-se Deep Fake para isso, usou-se a simulação da voz daquele chefe e a simulação da imagem daquele chefe em uma vídeo chamada de forma tão realista que um funcionário da empresa transferiu milhões para as contas que estavam sendo indicadas. Então isso é um risco também que a gente precisa ficar muito atento e muito atenda para tomar cuidado na curadoria da informação que a gente recebe.

Centro de Cultura Luiz Freire: Do ponto de vista da educação e da comunicação, o que é possível ser feito para criar um ambiente seguro, ético e plural na internet?

Jéfte Amorim: Para que a internet seja um lugar mais seguro é fundamental que nós enquanto indivíduos ao sabermos que existe um caminho de aprendizagem possamos buscá-lo, por exemplo, como é que eu identifico fake news? Sempre que eu receber informação alguns cuidados básicos precisam ser tomados: não repasse uma informação até ter certeza, verificar todas as fontes e consultar a veracidade daquilo; se você tem dúvida, não compartilhe; se você não tem um perfil profissional ou não utilize as mídias sociais profissionalmente para vender um serviço, para poder vender o seu trabalho, prefira manter o seu conteúdo, a sua imagem em privado; mesmo os melhores amigos das mídias sociais também não são seguros pois o amigo às vezes tem um outro amigo que printa, mostra e daqui a pouco esse seu conteúdo está circulando livremente; tome cuidado com as suas imagens e fotos compartilhadas no mundo digital; não tome nenhuma decisão sem ter certeza de que aquilo é verdade; não clique em links suspeitos; se alguém lhe mandar um SMS pedindo para que mande o código, por exemplo, que recebeu do WhatsApp, evite porque pode clonar sua conta; tenha senhas seguras, com pelo menos 11 dígitos, com letras maiúsculas, minúsculas, números e símbolos; utilize a verificação em duas etapas. Essas são algumas das medidas iniciais que todas as pessoas podem tomar para tornar a internet um ambiente mais seguro, e é claro, sempre que ver uma violação no mundo digital denuncie para a própria plataforma, faça um print e você pode acessar a SaferNet e fazer uma denúncia daquele conteúdo também.

Centro de Cultura Luiz Freire: Há ainda muitas pessoas e grupos com iniciativas e práticas que podemos nos espelhar e espalhar para tornar a internet um local mais saudável. Quais você pode compartilhar aqui conosco?

Jéfte Amorim: Algumas iniciativas muito interessantes que podem ser seguidas para aprender um pouco mais sobre esse tema: o Centro de Cultura Luiz Freire desenvolve um trabalho excelente focado no Direito à Comunicação; organizações como o Instituto Alana que trabalha a relação de consumo e consumismo direcionado para a infância e como proteger a infância e a adolescência nesse mundo cibernético também é bastante importante; a gente tem vários outros dispositivos também que estão a disposição com recursos de comunicação, como agências de checagem de fatos para a gente identificar fake news como a Agência Aos Fatos, a Agência Pública, o Estadão Verifica, a Agência Lupa também tem um serviço de checagem de informações, principalmente com conteúdos políticos; mas existem diversas outras informações e é sempre importante fazermos essa verificação como uma segurança a mais e uma ponte de confiabilidade para poder checar alguma informação que a gente eventualmente recebeu pelas mídias sociais ou até mesmo em alguma conversa.

 

Jéfte Amorim é um agitador de gente fascinado pela experiência humana no mundo. Cabense, multiartista, professor, pesquisador, jornalista e consultor de Marketing e Comunicação Estratégica. Doutorando em Educação Tecnológica (PPGEdumatec/UFPE) e mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (Posmex/UFRPE). Co-fundador da Dialógica Comunicação Estratégica e do Esperantivo – Casa, Comida e Cultura. Tutor licenciado do Laboratório de Comunicação da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS); professor da especialização em Design de Conteúdo da CESAR School; e professor dos MBAs em Marketing Digital; Marketing Político e Eleitoral; Jornalismo Independente; e Gestão de Negócios, Inovação e Transformação Digital da Católica Business School / Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Foto: Reprodução/ Cedida pelo autor