Fernando Silva¹

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Constituição Federal, 1988).

Em março e agosto o direito de viver foi retirado de mais de 100 mil brasileiros e brasileiras. Para se ter uma ideia da dimensão e da gravidade é como se toda a população de municípios como Iguatu – CE, Jataí – GO, Barra do Piraí – RJ e Mairiporã – SP deixasse de existir, isoladamente. No mundo, já são mais de 740 mil seres humanos vítimas fatais do Covid – 19, universo populacional do porte do Jaboatão dos Guararapes – PE e São José dos Campos – SP e maior do que todos os moradores de várias capitais, separadamente, a exemplo de Aracaju, Cuiabá e Porto Velho, Florianópolis. Os infectados no país já passa dos 3 milhões, conforme os dados oficiais.

O Estado de Pernambuco já ultrapassa mais de 7 mil mortes, maior do que os municípios de Quixaba e Solidão, respectivamente. É como se os bairros de Apipucos e Casa Forte deixassem de compor a Cidade do Recife e, as comunidades do Totó, Santana e Cabangá, que juntos totalizam 7.025 habitantes (IBGE, 2010) não existissem mais. Definitivamente, não é possível aceitar o descaso do Presidente da República: é uma gripezinha. E daí. Não sou coveiro.

As vidas eliminadas, todas importam, são indicativos da negação e da negligência quanto aos direitos à saúde e à vida, uma afronta ao determinado no Art. 196 da Constituição Federal (CF, 1988). O direito à saúde é uma das condições indispensáveis para que o direito à vida prevaleça. Representa, inclusive, a quebra do juramento presidencial de Jair Bolsonaro, conforme fixado no Art. 78, que na posse assumiu “o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. O juramento tem sido, ampla e reiteradamente, descumprido. É irresistível: Fora Bolsonaro! A sua permanência é um desserviço aos Direitos Fundamentais de todas as pessoas e a Democracia.

Migrando a abordagem para à educação, a Constituição Federal determina que é “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade” e o ensino deve ser ofertado em “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Porém, como garantir o direito à permanência (daquelas pessoas matriculadas) na escola quando o distanciamento e isolamento social compõem o conjunto das principais medidas sanitárias, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e as autoridades sanitárias nacionais. A resposta é complexa e envolve distintas dimensões.

Para situar a magnitude da situação informa-se que aproximadamente 51 milhões de pessoas de um total de 123,5 milhões estão em idade (17 anos) de frequentar, obrigatoriamente, escola, conforme Nota Técnica do Dieese (https://bit.ly/3eVJgnZ). Entretanto, de acordo com o Censo Escolar (2019) são 15,4 milhões fora da escola, uma flagrante negação do direito à educação. Então, é um duplo problema. Um universo enorme sem matrícula e outro, 35,6 milhões crianças, adolescentes e jovens matriculados na Educação Básica na faixa etária até 17 anos, mas não devem frequentar, fisicamente, as salas de aulas

Para aqueles estudantes matriculados o acesso presencial e/ou remoto as aulas envolvem aspectos que muitas vezes são apresentados separadamente. Um equívoco. É essencial considerar:

(1) falta de condições de infraestrutura física (habitabilidade e salubridade), equipamentos, acesso à internet nas escolas brasileiras, públicas e privadas. Sim, existem escolas privadas que também não são adequadas;

(2) o despreparo de professores, professoras, alunos e alunas com domínio de tecnologias para ensino à distância;

(3) a ausência de condições nas moradias de estudantes, associado a concorrência para compatibilizar o uso do computador para assistir aulas remotas e fazer exercício. Existem dados que demonstram a gravidade e complexidade dos pontos relacionados, que não serão objeto desse artigo, uma vez que já foram demostrados em diversas matérias jornalísticas e artigos. Interessa sim pensar e propor algo que concilie os direitos à saúde, à vida e à educação.

A corresponsabilidade na garantia dos direitos é da Família, da Sociedade e do Estado. Parte-se do entendimento que a corresponsabilidade não pode ser compreendida e praticada igualmente. As razões passam pela competência central do Poder Público, especialmente, do Executivo (Presidente da República, Governadores, Prefeitos) e Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias e Câmaras de Vereadores) que são responsáveis pela elaboração, aprovação e execução dos orçamentos públicos que devem ter a finalidade de efetivar os Direitos Fundamentais das pessoas. Mas, também pelo Poder Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública.

O entendimento é de que a luta para retirar Bolsonaro-Mourão, mediante cassação da chapa pelo TSE ou impeachment do Presidente (Congresso Nacional) não deve ser desprezada. Contudo, é evidente que a cassação da chapa ou impeachment são possibilidades complexas e precisariam de ampla mobilização nas ruas, no momento, não recomendado para preservar à saúde e à vida, mas não devem deixar de compor a pauta das lutas do campo democrático e popular. A substituição dos ocupantes na Presidência da República não resolverá de imediato os problemas, mas, a continuidade, só os agrava. Contudo, é preciso ir além e já.

É preciso estabelecer uma pactuação que envolva e corresponsabilize os conselhos de saúde, educação e dos direitos da criança e do adolescente e respectivos colegiados dos gestores (Nacional, Estaduais, Distrito Federal e Municipais), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, movimentos de mulheres, MST, Contag, movimentos de lutas das populações negras, indígenas, LGBTQI+, parlamentares, instituições de ensino superior e pesquisadores e pesquisadoras para a defesa de financiamento público para a garantia dos direitos à saúde, à vida e à educação, indistintamente.

A pauta também passa pela revogação da emenda constitucional 95/2016, que congela investimentos públicos em políticas sociais. Para se ter uma dimensão da gravidade, a saúde deixará de ter 654 bilhões de reais e a Assistência Social 868 bilhões de reais em vinte anos (IPEA, 2016). E agilizar a aprovação do projeto de lei que tramita no Senado sobre o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que tem a relatoria da Senadora Daniella Ribeiro (Partido Progressista, PB). O referido fundo já conta com R$ 21,8 bilhões, de suma importância para 70 milhões de pessoas que estão com acesso precário ou não dispõem de conexão e ampliar a banda larga nas escolas públicas.

É essencial colocar no debate eleitoral de 2020 os temas que são centrais nas vidas humanas. Que eleitoras e eleitores participem, se envolvam e influenciem os caminhos da escolha democrática do voto de pessoas que já atuam em defesa dos Direitos Fundamentais e da Democracia.

O percurso é longo e cheio de incertezas (quando teremos vacina, comprovadamente, adequada? Ainda não existem certezas). Mas, os direitos à saúde, à vida e à educação não devem ser hierarquizados. Todas as vidas importam. Todos os direitos são imprescindíveis. Importam, igualmente

 

¹ Mestrando em Educação, Culturas e Identidades. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. Recife, PE. Julho de 2020. jfnando.silva@gmail.com