“Quando soube do incêndio e, posteriormente, da morte de Zé Celso, fiz uma viagem pelas lembranças do que ele e o seu teatro representavam para mim.

Lembrei-me de quando assisti ao espetáculo “Rei da Vela”, há muito tempo atrás, e fiquei meio perplexa. Achava-o bobo, engraçado e estranho. Naquela época, não tinha a bagagem cultural necessária para compreender a profundidade da estética revolucionária da peça. Ela brincava com o autoritarismo nacional e o patriarcado escravagista, além de fazer uma crítica à própria estética, baseada no texto de Oswald de Andrade. Já tinha uma noção de como a arte e a estética eram importantes em um discurso de mudança e quebra de paradigmas. Estávamos nos anos 80.

Anos depois, tive a oportunidade de assistir ao espetáculo “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, em um dos galpões do Recife Antigo. Se o texto de Guimarães Rosa já era belo, imagine uma montagem incrível com um elenco completamente nu, circulando entre as arquibancadas! O choque do público era um espetáculo à parte.

Mais uma vez, foi um golpe estético! Tantas coisas foram ditas e pensadas a respeito disso naquela época. Talvez o texto seja um dos melhores, senão o melhor, ao destacar o homem com seus pensamentos e sentimentos, despido de tantas camadas que usamos para nos representar.

E Zé Celso, um gigante, ousado, irreverente e genial, talvez quisesse nos dizer que precisamos nos despir para descobrir quem realmente somos, e que fazemos parte de uma única espécie. Ele era um fogo criativo puro, revolucionário e transformador.

A sua morte no incêndio pode ser uma metáfora para nós, um símbolo de renascimento das cinzas!”

Por Liz Ramos, educadora do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), em homenagem a Zé Celso, diretor, ator, dramaturgo e fundador do Teatro Oficina.

O encenador brasileiro faleceu nessa quarta-feira, 06 de julho, após ter 53% do corpo atingido por queimaduras durante incêndio em sua casa.

Viva Zé Celso! Sempre presente.

 

Foto: Jennifer Glass