Nos últimos meses, o Brasil tem vivenciado um cenário preocupante de violência nas escolas, com ocorrência de ataques terroristas que têm gerado grande comoção na sociedade. Esse fato evidencia a necessidade urgente de se discutir e enfrentar o problema da violência nas instituições de ensino, do envolvimento de jovens com grupos de extrema-direita na internet e do investimento em políticas educacionais que mitiguem as desigualdades sociais e promova uma educação antirracista, antissexista, anti capacitista e anti LGBTQIAPN+fóbica.

A educação é um direito fundamental e a violência nas escolas, contra as escolas e da escola¹ pode impactar negativamente no processo de aprendizado e desenvolvimento dos alunos, bem como na garantia deste direito e de outros. Segundo o Guia sobre Prevenção e Respostas às Violências nas Escolas, produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), “as causas da violência escolar estão sujeitas a muita especulação. A violência não é a única; há geralmente vários indicadores”. O documento cita como exemplos: Exposição à violência na família, na escola e/ou na comunidade; Abuso e negligência infantil e juvenil; Acesso facilitado a informações sobre como fazer explosivos e acesso não supervisionado a armas de fogo e outras armas; Autoimagem negativa; entre outros.

De acordo com o outro estudo da CNDE sobre extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil, os eventos de violência às escolas no país começaram nos anos 2000. Antes disso, não havia registro de episódios categorizados dessa forma. No total, em território brasileiro, foram 16 ataques, dos quais 4 aconteceram no segundo semestre de 2022, vitimando 35 pessoas fatalmente e deixando 72 feridos.

Diante deste cenário e aproveitando o Dia da Educação, marcado neste 28 de abril, convidamos Paula Ferreira – Pedagoga, Educadora Popular e Antirracista, Integrante do Comitê Pernambucano da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e Ativista Pela Educação do Fundo Malala no Brasil – para elucidar alguns pontos sobre o tema. Na entrevista abaixo você saberá mais sobre possíveis caminhos para conquistarmos uma educação libertadora.

Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF): Paula, não tem como começar essa entrevista sem falar do cenário de terror que foi instaurado com os ataques às escolas e com ameaças de novas investidas. O que os últimos governos federais, em especial o do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, deixam de legado para esse estado de medo?

Paula Ferreira (PF): Infelizmente, a cultura do ódio que foi instaurada no último governo reflete no que vimos acontecer em várias escolas do país. O governo de Jair Bolsonaro atuou na contramão da democracia, e isso causou diversas consequências, entre elas a retirada de direitos dos/as estudantes e profissionais da educação. Seu governo contribuiu para a cultura da violência, e as escolas acabaram sendo mais um espaço onde essa violência também esteve e está presente. Não podemos desconsiderar que o espaço escolar, por refletir a sociedade, é um lugar também de exclusão, em especial para as meninas negras, quilombolas e indígenas, que enfrentam desafios no acesso, permanência e na aprendizagem, em função das desigualdades de gênero, classe e raça. O ambiente escolar é vivo, dinâmico e lida com uma diversidade gigante de pessoas, e os conflitos são constantes. Este debate sempre considerou o comportamento, em especial dos/as estudantes, por má disciplina, porém, hoje estamos vendo algo muito assustador que cresceu ainda mais nos últimos anos no Brasil: os ataques racistas, machistas e homofóbicos do ex-presidente alimentaram o ódio nas pessoas ao ponto delas se acharem legitimadas a cometerem atos violentos. O não investimento na educação neste governo agravou, sem sombra de dúvidas, os problemas históricos e estruturais de desigualdades que os/as estudantes de escola pública há séculos enfrentam, e a consequência é a própria exclusão escolar.

(CCLF): Quando casos como esses acontecem, logo vem o sentimento de insegurança, e grupos políticos tentam aproveitar desta situação para promover ainda mais a cultura do ódio, do medo e da arma. Como tornar a escola um ambiente seguro e acolhedor diante desta campanha bélica?

(PF): É importante que a escola seja um espaço seguro e acolhedor para todos, todas e todes que fazem parte dela, e para isso é necessário que haja uma parceria significativa do poder público, famílias e todos/as que fazem o chão da escola. O ambiente da escola só pode ser seguro e acolhedor se tiver democracia verdadeiramente na prática, que garanta aos estudantes o direito de serem ouvidos/as, que seu saber seja agregado ao projeto político-pedagógico da escola, que a escola forneça uma boa alimentação, que seja um espaço amplo e arejado para que os/as estudantes circulem com liberdade e possam realizar atividades esportivas que fortaleçam a aprendizagem e o desenvolvimento pleno deles/as, que garanta acesso ao transporte escolar, materiais didáticos que tenham imagens e histórias da população negra de forma positiva e um currículo que dê conta de atender, em especial, às diversidades de gênero e étnico-racial.

(CCLF): O mau uso da internet e das redes sociais tem influência direta nesses ataques, sendo um local de fortalecimento do ódio, do incentivo da violência e da propaganda (e propagação) da extrema direita. É tempo de pensar em educação midiática, de letramento digital nas escolas?

(PF): Não tenho dúvidas de que este deve ser um conteúdo que precisa estar no currículo da escola, para que possamos ter uma sociedade com mais acesso às informações e ao conhecimento diante de uma Democracia. Só acho que não podemos criar a falsa inclusão digital, considerando a realidade de muitos/as estudantes em um país tão desigual como o Brasil, onde nem todos/as têm acesso à internet e a um celular, por exemplo, para que possam fazer uso desse instrumento/canal. É essencial que o poder público garanta que todos/as/es tenham acesso às tecnologias e aos equipamentos para que o letramento digital faça sentido na vida de cada um/a.

(CCLF): O conservadorismo na educação tem se mostrado cada vez mais presente, com campanhas contra professores e conteúdos que promovem a reflexão e a pluralidade de sentidos. A Escola sem Partido, o Novo Ensino Médio, as Escolas Militares, a defesa do homeschooling representam bem esse tipo de pensamento e de política para a educação. É possível combater esse conservadorismo e construir e fortalecer uma educação libertadora?

(PF): Infelizmente, até hoje muitas escolas aplicam um conceito de educação escolar do século passado: uma educação bancária, desconsiderando muitas vezes o papel social que a escola exerce na vida dos/as sujeitos/as. Temos muitos/as estudantes ainda silenciados/as no espaço onde são sujeitos/as de direitos. Muitos/as ainda são considerados/as, como diria Paulo Freire, uma “tábua rasa”, ou seja, sem conhecimento algum. Mas é possível pensar numa educação libertadora onde existam processos educacionais horizontalizados, que legitimem o saber dos/as estudantes e estabeleçam uma relação educador/a e educando/a de forma respeitosa e harmoniosa. Combater o conservadorismo também diz respeito a investimentos em política pública educacional que avancem em um modelo de escola democrática, que enfrente as discriminações por serem elas fatores de exclusão e considere a diversidade, pluralidade e regionalidade que existe nesse país.

(CCLF): Neste Dia da Educação, 28 de abril, podemos esperançar por uma educação inclusiva, antirracista e antisexista?

(PF): Podemos sim, porque se a gente perde a esperança, perdemos tudo, inclusive a nossa capacidade de sonhar e acreditar em possibilidades que nos conecte com o lugar da importância da educação na vida das pessoas.

(CCLF): É importante também, além de falar das problemáticas que se apresentam, destacar boas práticas, seja de profissionais, projetos ou do alunado. Quais boas práticas você pode compartilhar conosco, Paula?

(PF): Estou sem uma referência que possa trazer agora dos espaços de educação, mas acho importante enfatizar o papel da Rede Malala e da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação por serem redes importantes no enfrentamento ao machismo, sexismo e racismo que colaboram para influenciar políticas públicas de educação. Para a melhoria da educação no país, é necessário fazer um recorte necessário de gênero, raça e classe, uma vez que as meninas, em especial as negras, indígenas e quilombolas, são as mais vulnerabilizadas.

 ¹ Segundo a cartilha desenvolvida pelo Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Violência da Universidade de São Paulo (USP), existem três tipos de violência escolar: na escola, contra a escola e da escola.

 

Fotos: Reprodução das redes sociais/ Cedidas pela autora